1. Ou queremos ser uma democracia a sério ou teremos de continuar a viver o fingimento do nosso regime democrático. O que aconteceu na sexta-feira, último dia de campanha eleitoral, na arruada do PS, é grave. E não apenas politicamente grave: é civicamente repreensível. Altamente censurável. Não se pode afirmar – como tentaram logo os jornalistas e opinadores que sempre quiseram manter o poder do PS de Costa à força (eles lá saberão porquê) – que o incidente é algo de somenos. Ora, um primeiro-ministro perder a cabeça com a crítica de um cidadão idoso – ao ponto de parecer a ele dirigir-se para efetivar a agressão – é algo normal? É algo de menor importância? Numa democracia a sério, o episódio de sexta-feira protagonizado por António Costa seria mais do que suficiente para um processo de condenação veemente por parte de outros órgãos do Estado e pela sociedade civil em geral.
2. Na interpretação mais benévola possível, a tentativa de agressão de António Costa (pelo menos, a sua intenção objetivamente revelada – basta olhar para a cara dos elementos do aparelho do PS que o acompanhavam e pelo desconforto que, sabemos, gerou mesmo na cúpula dirigente socialista) mostra, à evidência, que o líder socialista já está de cabeça perdida. Faz lembrar o período decadente de José Sócrates: quando o socratismo já dava os últimos sinais da sua vida, o então primeiro-ministro Sócrates irritava-se com todos, a propósito de rigorosamente tudo. António Costa já está igual a Sócrates no seu período mais complexo e negro para o país: o que significa que o líder do PS geringonçado sabe que o costismo está muito perto do fim. Ganhou as eleições, mas os meses que se seguem muito difíceis para o seu partido e para si. E, infelizmente, Portugal e todos os portugueses levarão por tabela.
3. Escrevemos há dias que há ironias na vida que explicam a evolução dos acontecimentos, quer no plano da vida pessoal, quer no plano da história das Nações. António Costa suspendeu a sua campanha com dores de costas; ao mesmo tempo que Portugal sofre hoje uma imensa dor de Costa. E os portugueses, iludidos com o medicamente profilático que a máquina de poder do PS impôs à força aos portugueses, voltaram a cometer o erro histórico (como, muito em breve, reconhecerão) de 1999 e 2009 (temos uma “sina dos nove”: 1999, 2009, 2019 – início de tragédias socialistas…). Os portugueses – mesmo os que votaram no PS, porque entendem que não há alternativa credível – estão fartos da personalidade, do feitio, da forma de estar e ser de António Costa. A larga maioria dos portugueses percebe que António Costa é a personificação de todos os vícios do nosso sistema político – e o episódio da tentativa de agressão de sexta-feira mostra que Costa é pior do que José Sócrates. Sócrates, com todos os seus defeitos, nunca tentou agredir ninguém, muito menos por uma crítica que é legítima (está bem, António Costa não foi de férias quando os incêndios aconteceram – mas foi três semanas depois quando o país se tentava erguer da tragédia, após de ter montado um focus group para avaliar a sua imagem; o que é pior?).
4. Acresce, ainda, que uma outra constatação que já tínhamos salientado no i se confirmou na sexta-feira e na noite eleitoral: António Costa não está bem, nem fisicamente, nem psicologicamente. António Costa está visivelmente esgotado (a precisar de férias, talvez em Palma de Maiorca ou em outro sítio em Espanha…) – sem energia para aguentar uma nova legislatura. Manter António Costa no poder é manter alguém que está emocionalmente saturado – o que é um risco. Alguém saturado, em cargos de liderança, tende a tomar péssimas decisões e a reagir por instinto (como dirigir-se a um idoso para o agredir). Como se viu, aliás, no discurso tenso, de chantagem para com os seus ex-parceiros da extrema-esquerda e até, implicitamente, com o Presidente da República – e a forma como reagiu à pergunta sobre o caso Tancos. A reação dos militantes socialistas, de pura intimidação ao jornalista que teve a ousadia de interrogar Costa sobre o caso que o continua a assombrar, é demonstrativa que até eles reconhecem que esclarecimentos cabais e adicionais se impõem. Os assobios dos socialistas à pergunta do jornalista fez lembrar a reação que tiveram – e são praticamente as mesmas pessoas -, no mesmo hotel, na mesma sala, quando a TVI questionou José Sócrates se estava preocupado com potenciais investigações criminais naquele momento em que deixava de ser primeiro-ministro. O resto da história é conhecido…Não podemos ignorar que o caso Tancos está a afetar grandemente António Costa – talvez seja porque é muito amigo de Azeredo Lopes e está a sentir as dores do amigo. Talvez seja porque, de facto, não sabia de nada e está surpreendido como falhou redondamente em termos de liderança: é a chamada frustração de Primeiro-Ministro – acha que sabe tudo e, afinal, os factos mostram que não sabia de nada do que acontecia no seu próprio Governo. Talvez seja por outra razão qualquer. Não sabemos. Sabemos, isso sim, que António Costa está brutalmente desgastado e, em consequência disso, de cabeça perdida: será um erro fazer arrastar António Costa mais uns longos meses como Primeiro-Ministro, perante o seu estado emocional e psicológico. E o próprio PS deveria perceber isso…
5. Imagine-se que o Presidente Trump ou o Presidente Bolsonaro se dirigissem a um idoso para o agredir. O que diriam os nossos órgãos de comunicação social? “Fascista!”, “Nazi!”, “Psicopatas”, “Assassinos”, “ Bestas!”. Ora, como foi António Costa, insultar e dirigir-se a um idoso é…algo de menor importância, um facto banal, um fait diver! Coerência e imparcialidade, pois claro…A arrogância, a petulância, o sentimento de ser “dono disto tudo” levam a reações instintivas como aquela contra o idoso, no Terreiro do Paço, ou o discurso de chantagem dirigido a todos na noite eleitoral de domingo. António Costa está desgastado – e, humanamente, temos de perceber esta realidade elementar. Ora, a próxima legislatura exigirá muita negociação, muita seriedade, honestidade e determinação perante os desafios complexos que irão surgir face à conjuntura internacional – e um esclarecimento cabal do que verdadeiramente aconteceu em Tancos.
6. Espera-se que o novo Parlamento, logo nos primeiros dias do seu funcionamento, peça ao primeiro-ministro que volte a prestar esclarecimentos sobre o caso Tancos. Até ao apuramento cabal, teremos um primeiro-ministro sob suspeita e que vive mal com o assunto, como se demonstrou na sua agressividade contra o idoso em Lisboa e na reação dos socialistas no Altis no domingo.
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Escreve à terça-feira