Eleições de baliza aberta e o remate deu o quê?


O poder conquista-se por degradação de quem o exercia ou por afirmação positiva de um projeto de poder ou de alternativa política. 


Escrever em dia de eleições e finalizar a prosa muito antes de se saber o resultado da pronúncia dos portugueses é um desafio. Resta o exercício dos cenários plausíveis, a avaliação das expectativas e as extrapolações de mais uma campanha eleitoral do Portugal democrático.

O poder conquista-se por degradação de quem o exercia ou por afirmação positiva de um projeto de poder ou de alternativa política. Nestas eleições legislativas, António Costa tinha condições como ninguém teve em democracia para obter uma maioria absoluta, através da afirmação positiva do seu projeto de poder. Estava com bola e com a baliza escancarada. Tinha pela frente uma oposição de direita fragilizada como nunca, na liderança e no projeto, e uma esquerda amarrada à circunstância de ter feito parte da solução governativa dos últimos anos, através da aprovação de todos os principais instrumentos de gestão do país. 

O sopro das sondagens, publicadas ao longo da campanha, revelou uma congénita incapacidade, a raiar a incompetência, para concretizar as expectativas e desenvolver uma campanha eleitoral sem percalços. Faltou narrativa de afirmação dos resultados obtidos, registo para responder ao estrebuchar de afirmação dos parceiros de solução governativa, profissionalismo na condução da campanha, capacidade de antecipar questões judiciais pendentes e clarividência para afirmar as prioridades para o futuro de Portugal e dos portugueses. O PS esteve em perda em boa parte da campanha e acabou da pior forma com um episódio que não é novo, não pode ser surpreendente e inscreve-se numa linha de acontecimentos da vida política a que o próprio líder do PS já recorreu ou permitiu que existissem. As campanhas negras estiveram no seu acesso ao poder interno no PS e estão presentes na governação e na campanha em pilares de comunicação de quase todos os partidos políticos com relevância. A virgindade enunciada e proclamada é só ridícula.

Os cenários enunciados pela dinâmica geral e pelas sondagens são de vitória do PS, o que em si já representa uma evolução positiva em relação a 2015, em que António Costa não ganhou a eleições a um desgastado Pedro Passos Coelho, depois de quatro anos de troika e de aditivos de austeridade. O problema, uma vez, mais pode ser o das expectativas políticas e das circunstâncias para o exercício. Em 2015 era ganhar, não conseguiu, em 2019, era ganhar com maioria absoluta e vamos ver. 

Cenário 1 – O PS ganha com maioria absoluta e António Costa, livre de “empecilhos”, fará uma gestão governativa com a matriz do partido, com renovados desafios de gestão financeira e com possibilidade de superar a fase de um Governo dois registos, um para agradar os parceiros de solução de poder que são contra a União Europeia e contra a NATO, o outro para convergir com as conveniências dos equilíbrios da sociedade portuguesa e da participação internacional.
Cenário 2 – O PS ganha sem maioria absoluta e António Costa estará confrontado com as linhas vermelhas ultrapassadas na verborreia eleitoral, a desconfiança gerada, as novas exigências para uma renovada solução governativa incompatível com as contas certas, a observância de convergências europeias e a necessidade de superar os bloqueios existentes nos serviços públicos. Uma solução que implicará riscos de desvirtuação da matriz ideológica e de governação do PS. Um cenário que poderá implicar, no caso de parcerias com o PAN e renovados entendimentos com o BE e o PCP, a entrada por caminhos de intolerância, fundamentalismo e radicalismo incompatíveis com a história e o papel do PS na sociedade portuguesa. 

A não se confirmar o cenário 1, a atual direção do PS, por sua exclusiva responsabilidade e incapacidade, está confrontada com desafios em que, para a manutenção do poder vai ter de beliscar a sua matriz partidária, a lógica de tolerância que deve estar presente em qualquer sociedade democrática – respeito pelas esferas de liberdade dos outros – ou, mais uma vez, sacrificar mínimos de coerência política. A quadratura do círculo que estará subjacente neste contexto não será geradora de esperança, coesão, sustentabilidade das opções e sentido de futuro. Qualquer cenário 2 contará com uma conjuntura nacional e internacional que não será a mesma dos últimos quatro anos, uma Presidência da República menos convergente e uma sociedade com expressões de perda de paciência perante o sistema.
Quando esta prosa for publicada, o quadro de partida para uma nova legislatura está definido. Saberemos se António Costa preencheu a expectativa eleitoral de uma maioria absoluta, se Rui Rio conseguiu mínimos de conveniente sobrevivência para contar em convergências para uma solução de governo do PS, se os ditos pequenos partidos elegeram e se a abstenção, a toque dos novos votantes e das comunidades portuguesas no Mundo, diminuiu.
O importante é que os portugueses votaram. A campanha não foi mobilizadora, teve dinâmicas novas, até se debateu alguma coisa, o humor foi importante para captar atenção, mas é preciso ser feito muito mais para respondermos a uma sociedade cada vez mais segmentada, com crescente foco no digital. No essencial, as formatações de comunicação política para uma sociedade cada vez mais digital, são as de sempre. E a coisa não funciona.

NOTAS FINAIS

GANHO. Estamos tão habituados às formatações que o ar fresco assume uma relevância importante. A investidura do português Tolentino Mendonça como cardeal, num contexto de esforço de alguma sintonia da Igreja Católica com as realidades, impulsionada pelo Papa Francisco

PERDA. A morte de Freitas do Amaral marca um fim de ciclo. Quem esteve na implantação da democracia portuguesa está cada vez menos entre nós, razão maior para aumentar a exigência em concretizar respostas para o presente e lançar sementes para os riscos e desafios do futuro. Tive-o como Professor de Direito Administrativo. Sólido, claro e coerente com o seu pensamento, algo cada vez mais raro.


Eleições de baliza aberta e o remate deu o quê?


O poder conquista-se por degradação de quem o exercia ou por afirmação positiva de um projeto de poder ou de alternativa política. 


Escrever em dia de eleições e finalizar a prosa muito antes de se saber o resultado da pronúncia dos portugueses é um desafio. Resta o exercício dos cenários plausíveis, a avaliação das expectativas e as extrapolações de mais uma campanha eleitoral do Portugal democrático.

O poder conquista-se por degradação de quem o exercia ou por afirmação positiva de um projeto de poder ou de alternativa política. Nestas eleições legislativas, António Costa tinha condições como ninguém teve em democracia para obter uma maioria absoluta, através da afirmação positiva do seu projeto de poder. Estava com bola e com a baliza escancarada. Tinha pela frente uma oposição de direita fragilizada como nunca, na liderança e no projeto, e uma esquerda amarrada à circunstância de ter feito parte da solução governativa dos últimos anos, através da aprovação de todos os principais instrumentos de gestão do país. 

O sopro das sondagens, publicadas ao longo da campanha, revelou uma congénita incapacidade, a raiar a incompetência, para concretizar as expectativas e desenvolver uma campanha eleitoral sem percalços. Faltou narrativa de afirmação dos resultados obtidos, registo para responder ao estrebuchar de afirmação dos parceiros de solução governativa, profissionalismo na condução da campanha, capacidade de antecipar questões judiciais pendentes e clarividência para afirmar as prioridades para o futuro de Portugal e dos portugueses. O PS esteve em perda em boa parte da campanha e acabou da pior forma com um episódio que não é novo, não pode ser surpreendente e inscreve-se numa linha de acontecimentos da vida política a que o próprio líder do PS já recorreu ou permitiu que existissem. As campanhas negras estiveram no seu acesso ao poder interno no PS e estão presentes na governação e na campanha em pilares de comunicação de quase todos os partidos políticos com relevância. A virgindade enunciada e proclamada é só ridícula.

Os cenários enunciados pela dinâmica geral e pelas sondagens são de vitória do PS, o que em si já representa uma evolução positiva em relação a 2015, em que António Costa não ganhou a eleições a um desgastado Pedro Passos Coelho, depois de quatro anos de troika e de aditivos de austeridade. O problema, uma vez, mais pode ser o das expectativas políticas e das circunstâncias para o exercício. Em 2015 era ganhar, não conseguiu, em 2019, era ganhar com maioria absoluta e vamos ver. 

Cenário 1 – O PS ganha com maioria absoluta e António Costa, livre de “empecilhos”, fará uma gestão governativa com a matriz do partido, com renovados desafios de gestão financeira e com possibilidade de superar a fase de um Governo dois registos, um para agradar os parceiros de solução de poder que são contra a União Europeia e contra a NATO, o outro para convergir com as conveniências dos equilíbrios da sociedade portuguesa e da participação internacional.
Cenário 2 – O PS ganha sem maioria absoluta e António Costa estará confrontado com as linhas vermelhas ultrapassadas na verborreia eleitoral, a desconfiança gerada, as novas exigências para uma renovada solução governativa incompatível com as contas certas, a observância de convergências europeias e a necessidade de superar os bloqueios existentes nos serviços públicos. Uma solução que implicará riscos de desvirtuação da matriz ideológica e de governação do PS. Um cenário que poderá implicar, no caso de parcerias com o PAN e renovados entendimentos com o BE e o PCP, a entrada por caminhos de intolerância, fundamentalismo e radicalismo incompatíveis com a história e o papel do PS na sociedade portuguesa. 

A não se confirmar o cenário 1, a atual direção do PS, por sua exclusiva responsabilidade e incapacidade, está confrontada com desafios em que, para a manutenção do poder vai ter de beliscar a sua matriz partidária, a lógica de tolerância que deve estar presente em qualquer sociedade democrática – respeito pelas esferas de liberdade dos outros – ou, mais uma vez, sacrificar mínimos de coerência política. A quadratura do círculo que estará subjacente neste contexto não será geradora de esperança, coesão, sustentabilidade das opções e sentido de futuro. Qualquer cenário 2 contará com uma conjuntura nacional e internacional que não será a mesma dos últimos quatro anos, uma Presidência da República menos convergente e uma sociedade com expressões de perda de paciência perante o sistema.
Quando esta prosa for publicada, o quadro de partida para uma nova legislatura está definido. Saberemos se António Costa preencheu a expectativa eleitoral de uma maioria absoluta, se Rui Rio conseguiu mínimos de conveniente sobrevivência para contar em convergências para uma solução de governo do PS, se os ditos pequenos partidos elegeram e se a abstenção, a toque dos novos votantes e das comunidades portuguesas no Mundo, diminuiu.
O importante é que os portugueses votaram. A campanha não foi mobilizadora, teve dinâmicas novas, até se debateu alguma coisa, o humor foi importante para captar atenção, mas é preciso ser feito muito mais para respondermos a uma sociedade cada vez mais segmentada, com crescente foco no digital. No essencial, as formatações de comunicação política para uma sociedade cada vez mais digital, são as de sempre. E a coisa não funciona.

NOTAS FINAIS

GANHO. Estamos tão habituados às formatações que o ar fresco assume uma relevância importante. A investidura do português Tolentino Mendonça como cardeal, num contexto de esforço de alguma sintonia da Igreja Católica com as realidades, impulsionada pelo Papa Francisco

PERDA. A morte de Freitas do Amaral marca um fim de ciclo. Quem esteve na implantação da democracia portuguesa está cada vez menos entre nós, razão maior para aumentar a exigência em concretizar respostas para o presente e lançar sementes para os riscos e desafios do futuro. Tive-o como Professor de Direito Administrativo. Sólido, claro e coerente com o seu pensamento, algo cada vez mais raro.