O consumo de droga no Porto levou esta semana Rui Moreira a defender a criminalização da utilização de drogas na via pública. A falta de meios e incapacidade da polícia para intervir junto dos utilizadores de drogas que se juntam nas imediações de escolas, como a básica das Condominhas, levou o autarca a falar de um “atentado ao pudor” e a considerar que as leis atuais “não protegem a esmagadora maioria das populações, não protegem as pessoas que querem sair de casa com os filhos e não podem, não protegem as pessoas que não podem ir à janela à noite porque são ameaçadas”, disse Rui Moreira numa sessão da Assembleia Municipal do Porto sobre o combate ao tráfico, em que considerou que as atuais contraordenações são insuficientes. Lançou assim a ideia de rever a legislação de 2001, o que até aqui não tinha sido suscitado por nenhum partido.
Moradores preocupados O problema não é novo mas tem vindo a agravar-se, ao mesmo tempo que ainda se aguardam novidades sobre as salas de consumo assistido. O desmantelamento das torres do bairro do Aleixo, este ano, foi associado à dispersão dos utilizadores de drogas e a novas zonas de tráfico na cidade, em particular nos bairros Pinheiro Torres e Pasteleira Nova.
Ao i, Aníbal Rodrigues, presidente da Associação de Moradores da Pasteleira Nova, admite que a situação piorou nos últimos meses e hoje está à “vista de toda a gente”, remetendo para as imagens divulgadas esta semana pelo Correio da Manhã, que mostram o consumo junto à vedação da escola. “O bairro do Aleixo foi demolido e os consumidores e traficantes passaram para estas zonas. Temos espaços verdes ocupados, tendas. É uma situação para a qual não estamos a ver fim.”
Aníbal Rodrigues recorda que as queixas não são de agora e que desde a demolição do Bairro São João Deus começou a aumentar o consumo na via pública, ainda que de forma mais discreta. Hoje existem abordagens mais diretas aos moradores e uma maior sensação de insegurança, relata. Quanto às declarações de Rui Moreira, fala de expectativa. “Não sei se é política ou vontade de resolver isto. Não é acabar, porque nunca acaba, mas não deixar piorar”, diz.
João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), reconhece que deviam existir mais meios, mas recusa que o caminho seja a criminalização e admite alguma preocupação com a forma como a questão está a ser colocada, salvaguardando que se trata de um debate político. Até ao momento o SICAD não foi chamado a pronunciar-se. “A descriminalização pode ser aperfeiçoada e dotada de mais meios, mas é uma conquista civilizacional que, do meu ponto de vista, não deve ser posta em causa”, disse ao i. “Aquilo a que temos assistido nos últimos anos é a um consenso político alargado acerca da bondade da decisão da descriminalização. É a primeira vez que há uma declaração pública no sentido oposto”, afirma Goulão.
O responsável salienta que, tal como aconteceu em Lisboa com o desmantelamento do Casal Ventoso, a dispersão de utilizadores torna mais visível o fenómeno e requer uma intervenção mais dirigida, em colaboração com as autoridades policiais. “Reforçar o dispositivo de dissuasão poderá ser útil, assim como o reforço dos efetivos policiais e da capacidade de atendimento das comissões de dissuasão, criminalizar não me parece que seja o caminho”, insiste, salientando que, havendo falta de meios, as dificuldades não seriam ultrapassadas.
“Se se criminalizar, a falta de recursos policiais manter-se-á. Se não há capacidade de instaurar processos contraordenacionais, provavelmente haverá ainda menor capacidade de instaurar processos-crime, que exigem produção de prova. Precisamos de aumentar a capacidade de resposta, mas não necessariamente de uma resposta policial e repressiva.” O risco, sublinha, é perder-se o que foi também uma porta suplementar de entrada no sistema de tratamento: desde 2001, mais de nove mil toxicodependentes alvo de processo de contraordenação iniciaram tratamentos: “O potencial de todo o dispositivo não parece estar a ser utilizado na sua plenitude, mas isso não nos deve fazer pensar em dar um passo atrás e levar utilizadores para a cadeia, de onde saem pior do que entraram.”
Partidos divididos Na sessão da Assembleia Municipal do Porto de segunda-feira, os partidos mostraram-se divididos. “O PS quer fazer parte da solução, continuar a proteger e acompanhar os consumidores”, disse Patrícia Faro, criticando o processo de demolição do bairro do Aleixo: “Foi impreparada, mas compreendemos a necessidade de acelerar a desocupação pela degradação do edificado. Não devia ter sido feito desta forma, devia ter sido monitorizado para precaver situações a que estamos a assistir.” O PS considerou também que a perceção de insegurança é difusa, “não comprovável” e criticou a recusa de grupos de trabalho que tragam segurança ao debate.
Susana Constante Pereira, do Bloco de Esquerda, recordou que o modelo português de descriminalização tem sido caso de estudo, recusando o “regresso da repressão, estigma, insegurança e perda de direitos humanos”. O BE propôs um grupo de trabalho local de observação no domínio das dependências, que integre as entidades e pessoas que intervêm nesta área, incluindo forças de segurança e moradores. As críticas mais duras de Rui Moreira seriam precisamente dirigidas ao BE, que classificou de “esquerda-marijuana”. Sofia Maia, presidente da Junta de Freguesia de Lordelo do Ouro e Massarelos, desafiou os partidos a visitar os bairros. “A população não quer saber de estudos e estatísticas”, disse, considerando que neste momento não existe “liberdade de circular na via pública.”
Para a CDU, “há uma falência do Estado em matéria de segurança”, com o partido a criticar o processo de desmantelamento do bairro do Aleixo.
O PSD também acusou o Estado de falhar, aproximando-se da visão do grupo municipal Porto, o Nosso Partido, de Rui Moreira. “Resta à Câmara Municipal do Porto tentar minorar resultados destes fenómenos, designadamente pressionando o Governo para alterações legislativas que permitam resolver os devidos problemas”.
Apesar das diferenças, os partidos foram unânimes em recomendar ao Governo um reforço da PSP. Uma recomendação do PAN, também aprovada, salientou a necessidade de serem abertas com a brevidade possível as salas de consumo assistido no Porto. Até ao momento existe apenas uma unidade móvel a funcionar em Lisboa.