Crónica sobre fake news e não só

Crónica sobre fake news e não só


Nesta legislatura que acaba, e que começou sob a fake news do fim da austeridade, bateram-se sucessivamente recordes de aumento de carga fiscal e dívida pública.


Estamos a muito poucos dias do fim da campanha eleitoral e das eleições legislativas. Por alturas do seu início, o grande pilar da equidistância e neutralidade política que gira na World Wide Web sob a graça de Facebook desde logo mandou avisar que estaria atento às fake news e que tomaria a devida atenção e as medidas adequadas, caso algumas fossem detetadas pelas suas equipas sediadas em várias partes do mundo, nomeadamente na Califórnia, Nova Iorque, Londres e Dublin, como noticiou a TSF.

Seguindo acriticamente as espumas dos dias estará, também em período de transposição, uma directiva europeia destinada a combater o fenómeno, milenar, a que hoje se cuida de chamar fake news e que antigamente eram boatos ou apenas desinformação, e não menos vezes calúnias e difamações.

Inexplicavelmente, também aqui tende a haver um sentimento, normalmente mais politicamente identificável num dos lados e em ambos os extremos, que tende a gostar da ideia das polícias de costumes, como as que antigamente combatiam, e de pensamentos e ideias devidamente higienizadas.

Com esses declarados fins alegadamente nobres, e normalmente inúteis, as pessoas abdicam e cerceiam elementares liberdades individuais e colectivas, a bem da eugenia intelectual, por maioria de razão, de forma mais ou menos consciente, da pluralidade e a favor do pensamento único.

Como em tantas outras coisas, como por exemplo com a virtude – uma vez perdida, a mesma já não volta –, é assim também com o carácter absoluto dos direitos: à primeira concessão feita na diminuição dos seus limites, todas as seguintes estão legitimadas.

Não obstante, por estes dias, vamos vendo, a discussão é sobre a possibilidade de dar aos políticos, e não só, as ferramentas necessárias para que possam fazer o controlo dos conteúdos das notícias ou outras publicações das redes sociais com o fim de os proibir ou ocultar quando o seu conteúdo ofenda a verdade oficial ou conveniente.

Se vejo bem, estaremos a pôr a raposa no galinheiro e perderemos por passar a ter o mesmo número de fake news, só que sem nenhuma diversidade. Senão vejamos:

O ministro Azeredo Lopes, que no Parlamento disse que possivelmente nunca teria havido um assalto aos paióis de Tancos, é entretanto arguido num processo em que a dissimulação e a encenação de realidades paralelas mereciam um Óscar da academia tanto pela sua actuação como pela qualidade do enredo (era difícil, neste caso, a ficção bater esta realidade).

Aqui importará fazer uma nota sobre uma habilidade de percurso. Rio, sobre este tema, disse duvidar (o que é uma dúvida política relevante, fundada e legítima) – verdadeiramente, ninguém acredita que um tema destes não tivesse sido discutido; António Costa, ao invés de responder, levanta uma questão à volta do estranhíssimo conceito da alegada dignidade da campanha – verdadeiramente nunca desmente, só se ofende, matéria na qual, aliás, é, muito convenientemente, useiro e vezeiro.

Atentemos, entretanto, no facto de este polivalente socialista que Costa protege ter sido presidente da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) e isto dá-nos a noção do perigoso que é, com quem quer que seja mas aqui mais ainda, entregar a outros a possibilidade de controlar as publicações de terceiros.

Aliás, não deixa de ser curioso que haja um foco enorme sobre controlar aquilo que se diz sobre os candidatos, mas nenhum sobre o que dizem ou fazem os próprios candidatos e a verdade ou verdades dos seus posicionamentos e dos discursos.

Nesta legislatura que acaba, e que começou sob a fake news do fim da austeridade, bateram-se sucessivamente recordes de aumento de carga fiscal e dívida pública, o que desmente a teoria do lead de uma legislatura inteira, e é importante que isto se possa dizer sem controlos nenhuns.

Note-se que, nesta campanha, António Costa, perante o incontestável aumento dos impostos em quantidade e qualidade, veio referindo bastas vezes que na sua legislatura os impostos não aumentaram – concedendo que diminuiu o IRS, não podemos esquecer-nos de que aumentou o IRC, o IMI, o imposto sobre os combustíveis, subiu a generalidade dos impostos indirectos e criou outros como o do açúcar, e nem por isso deixou de passar a campanha a afirmar o seu contrário, como vimos, antes de uma conveniente dor de costas depois de a acusação de Tancos o ter tornado menos visível.

Todas e cada uma destas afirmações são em si mesmas falsas e distorcidas, e é por isso que parece perigoso que sejam estas exactas pessoas, na óbvia defesa dos seus interesses e perpetuação no poder, quem venha legislar sobre a qualidade e a substância daquilo que quem quer que seja publique, diga ou escreva onde quer que seja.

É uma questão óbvia de higiene.

P.S. Nas malhas das fake news, ou não, circulam por estes dias nas redes sociais vídeos de alegadas intervenções públicas da candidata do Livre onde a gaguez é inexistente e o estilo muito diferente do das entrevistas e debates da mesma nas televisões e rádios. Perante um possível embuste de proporções épicas, aqui sim, urge um esclarecimento rápido (e Livre) sobre se são fake news.

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990