Em 2016, Ana Pinto, voluntária no Centro Hospitalar Universitário São João, no Porto, começou a reunir um conjunto de histórias criadas pelas crianças ali internadas. O projeto começou a ganhar dimensão, e agora estes relatos foram lançados em livro. “Queria fazer mais do que só brincar com eles ou contar-lhes histórias, quis criar algo que desse a possibilidade delas próprias contarem a sua história”, diz a autora ao i. A ideia nasceu depois de, todos os sábados, se dirigir ao hospital para passar tempo com as crianças. Uma das atividades que desenvolviam em conjunto – voluntária e miúdos – era, precisamente, criar histórias baseadas nas vidas de cada um deles.
Muitas histórias depois, decidiu apresentar o projeto a várias entidades tendo recebido uma resposta positiva da pediatria do Hospital de São João, “mais rápido do que estava à espera”. Depois reunidas as condições para assegurar o bem-estar dos ‘contadores de histórias’ crianças e mantendo sempre o anonimato das crianças, começou então a traçar de forma mais consistente os relatos que deram corpo e forma a este livro.
A intenção sempre foi muito simples. “Queria proporcionar um bom momento e fazê-los esquecer a doença que já faz parte da realidade diária de cada um” , explica. O tempo que passavam juntos serviu assim para dar asas à imaginação, mas principalmente para que existisse uma partilha em grupo e que permitia a cada um deixar de ser uma criança com uma doença para se tornar num pequeno autor. Por isso, o João e a Ana (nomes fictícios), que sofrem leucemia, são agora dois escritores que, ainda que por um momento, esqueceram a doença e passaram a ser contadores de histórias.
A ideia inicial era mais simples: consistia em criar apenas um conjunto de histórias que seria colocado na sala de atividades da unidade hospitalar. Com o passar do tempo, as histórias “fantásticas” pensadas por estes pequenos escritores pediam que o livro fosse lido por mais pessoas do que aquelas que frequentavam o hospital.
Ana arregaçou as mangas e começou a procurar patrocinadores – uma busca que, revela, se tornou na missão mais difícil de todo este projeto. A ideia eventualmente chegou a bom porto e, no último sábado, foi lançado o livro As Histórias do Joãozinho. “Foi muito difícil arranjar patrocinadores, marcas que se quisessem juntar a este projeto. Depois de várias tentativas, decidi ir por outro caminho e arrancar uma campanha de crowdfunding que com a ajuda de todos – e em menos de um mês – deu vida a esta obra, o que me deixou muito contente”. Na página de crowdfunding do projeto, Ana Pinto deixou o testemunho pessoal que inspirou as pessoas a fazerem parte deste projeto: “Olá, o meu nome é Ana Pinto, sou voluntária por paixão e sonhava há muito tempo criar um projeto desta natureza. A pediatria do hospital São João recebeu-me de braços abertos e permitiu a concretização desse mesmo sonho, dessa intenção. Estou, por isso, a representar toda a associação e equipa envolvida. Quero promover esta obra fantástica e angariar verbas para que todos eles possam continuar a desempenhar o seu papel importantíssimo nos cuidados de saúde das nossas crianças. As crianças e os profissionais estão neste momento ainda em instalações provisórias mas isso não afeta em nada os cuidados, o conforto, a alegria e dedicação que diariamente se vive no hospital. Vivi de perto o trabalho desta equipa e ficava sempre de coração cheio.”
Um projeto para continuar As Histórias do Joãozinho são o fruto da imaginação que caracteriza as crianças, e lá podemos encontrar contos com animais de estimação, magia e fantasia. Cada história é única e nenhuma delas parece ter sido influenciada pela doença que estas crianças vivem, partilha Ana. E todos transmitem “valores como a amizade, verdade, bondade, perdão e tolerância”, acrescenta.
Para ilustrar as histórias saídas da cabeça dos miúdos, Ana pediu ajuda a uma amiga. A obra, publicada pela Chiado Kids, chegou às livrarias no sábado e o valor proveniente da venda reverterá na totalidade para a unidade hospitalar em questão. “Quando se deu a possibilidade de pôr à venda o livro, mesmo não tendo nenhuma ligação com associação das crianças do centro hospitalar de São João, faria todo o sentido retribuir, já que as histórias nasceram dentro daquela unidade. Isto não é nada para mim, quero que tudo fique para a associação”, assegura.
A vontade pessoal de Ana Pinto é que os profissionais que acompanham as crianças no dia a dia na pediatria do Hospital de São João deem continuidade a este projeto e que os próprios continuem a ter estas “reuniões” com as crianças que se encontram internadas. “Gostava muito que eles abraçassem esta ideia e, quem sabe, criassem um segundo volume, dando continuidade a esta obra.”
As histórias ali contadas já deram uma nova lufada de ar fresco aos seus autores, mas Ana quis também abrir espaço a que mais miúdos pudessem ter, literalmente, uma tela em branco para se expressar. Por isso, no final do livro, há um espaço em branco onde qualquer criança pode dar asas à sua imaginação e, nem que seja por um momento, escrever a sua própria história.