O catalisador para o início do processo de destituição de Donald Trump foi a alegada pressão do chefe da Casa Branca sobre o Presidente Ucraniano para investigar Joe Biden e o seu filho. Mas o que se passou na altura, afinal?
Estávamos em 2014, no auge do conflito ucraniano e da anexação da Crimeia por parte da Rússia. O então Presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, foi deposto em fevereiro pelos protestos em massa no país – o que abriu a oportunidade para a anexação da península ucraniana no mar Negro. No meio destes tempos turbulentos, a administração de Barack Obama procurava aprofundar as ligações com o novo Governo ucraniano para contrariar o seu rival russo, e o então número dois da Casa Branca liderava os esforços diplomáticos nesse sentido.
Entretanto, em abril desse ano, Hunter Biden foi nomeado para a direção da Burisma Holdings, que extraía petróleo na Crimeia naquela data e cujo proprietário era um antigo aliado de Yanukovych que tinha, inclusive, sido seu ministro – a empresa estava a ser investigada por corrupção e embrulhada em várias controvérsias. Hunter Biden, por sua vez, não parecia ter qualquer experiência aparente para assumir o cargo na empresa de Mykola Zlochevsky. E chegou a ganhar 50 mil dólares por mês.
O caso abriu uma série de polémicas nos Estados Unidos, mas a administração Obama arrumou-as na gaveta, dizendo que Hunter Biden era um “cidadão privado” e a questão foi sendo esquecida. Quando em 2015 o governo ucraniano nomeou um novo Procurador-Geral, Viktor Shokin, este prometeu que iria investigar a Burisma mais a fundo. E a controvérsia começa aqui.
Shokin foi gradualmente sendo visto por Washington e pela comunidade internacional, com o Fundo Monetário Internacional à mistura, como conivente, ou com tendo uma postura demasiado suave contra a corrupção na Ucrânia.
Em março de 2016, Joe Biden foi à capital ucraniana, Kiev, negociar um pacote de ajuda ao país no valor de mil milhões de dólares (901 milhões de euros hoje). À semelhança do que Trump fez com o atual Presidente ucraniano, Volodomyr Zelensky, Biden ameaçou suspender a transferência da verba caso o líder na altura, Petro Poroshenko, não demitisse Shokin – querendo pressionar os ucranianos para que estes tomassem medidas mais duras para combater a corrupção no país, uma exigência que não era só norte-americana.
“Vou-me embora em seis horas. Se o procurador não for despedido, não irás receber o dinheiro. Bem, filho da mãe. Ele foi despedido”, admitiu o próprio Joe Biden, reproduzindo a conversa ao Conselho de Relações Internacionais, em 2018.
Não estando provada qualquer manobra de Joe Biden para beneficiar o seu filho e a empresa para que este trabalhava – só saiu este ano da Burisma -, as suspeitas republicanas foram sendo alimentadas porque o procurador que substituiu Shokin não foi mais eficiente na luta contra a corrupção, nem nunca foram avançadas acusações contra a Burisma, ou contra Zelensky, desde então.
A favor do antigo número dois da Casa Branca, em maio, falou um membro da equipa de Shokin, Vitaluy Kasko. “Não houve qualquer pressão dos Estados Unidos para encerrar os casos contra Zlochevsky”, realçou à Bloomberg, este ano.