Os antipolíticos da política


Os antipolíticos assumem-se como uma casta imaculada que está destinada a purificar o sistema corrompido que se instalou, incitando à purga dos que infestaram a política.


O discurso antipolítica e antipolíticos tornou-se um vírus que contagiou até o cidadão mais alheado da cena política, indiferente aos seus protagonistas e ao que deriva diretamente da governação ou, se quisermos ser mais precisos, da administração política.

A forma como se transmite a mensagem política adotou características de agressividade ímpar, roçando a ofensa direta e rude de quem arremessa contra os seus adversários insultos e suspeitas sem confirmação, numa tentativa desesperada de chamar sobre si as atenções, não pelo conteúdo das suas ideias mas pelo tom com que se apresenta perante o eleitorado.

Não somos indiferentes a esta vozearia. Se há os que aplaudem e se regozijam com o circo, onde desfilam aberrações que chocam quem assiste, também há os que tapam os ouvidos perante a grosseria pouco polida e que fere a sensibilidade do cidadão mais tolerante.

A linguagem passou a ser imprópria, centrando-se em palavras-chave que opõem os “nós” aos “eles”, que traduzindo significa que os antipolíticos se assumem como uma casta imaculada que está destinada a purificar o sistema corrompido que se instalou, incitando à purga dos que infestaram a política. Para estes antipolíticos, a arte de fazer política deixou de ser nobre para ser um mero funcionalismo ao serviço dos interesses individuais, sem qualquer preocupação pelo interesse coletivo. Atente-se que estes proclamadores de justiça consideram-se indispensáveis à sociedade e aportam na sua mensagem o presságio de calamidades, inspirando o medo e insegurança. Tudo o que um discurso político não deveria ter: ódio, medo, justicialismo popular, desacreditação das instituições, acusação desenfreada e sem sustentabilidade lançando a desconfiança entre todos.

Esta ocupação do espaço público por agentes capturados pelo discurso antipolítica e antipolíticos, desde candidatos políticos (que não gostam de ser políticos, nem de política), comentadores políticos (que, na sua maioria, desprezam a classe política), jornalistas (que evidenciam as suas opiniões em artigos que deviam ser escrupulosamente informativos, desfavorecendo a tal classe política) tende a contaminar o cidadão comum que todos os dias consome informação opinativa, já com juízos de valor e éticos incluídos na informação.

O acesso à informação é de tal forma livre que implica um volume de informação demasiado extenso para um só indivíduo, dificultando a seleção da informação verdadeiramente sustentada e fidedigna. No que se refere ao meio político, não descurando as forças opositoras da classe política, a dificuldade acresce, na medida em que a mensagem que trespassa é a mais ruidosa, o que não significa que seja a mais importante.

Daí assistirmos a um cerco coagido a tudo o que se refere à política e aos seus interlocutores, promovendo conscientemente os que encarnam esta incumbência de ataque, ou combate contra o sistema, como se tratasse de uma missão.

Os partidos mais permeáveis a esta tentação, obviamente, são os que ambicionam crescer e ganhar espaço mediático para começarem a existir, primeiro para a comunicação social, e depois para o eleitorado. Além disso, são partidos segmentados na elaboração do seu programa eleitoral, seja por incapacidade de apresentar um programa global de governo, seja porque escolhem priorizar temas secundários para a governação de um país. Mas se formos a ver, são os temas centrais destes pequenos partidos, pequenos na sua ambição, que lhes dão impulso para sobressaírem relativamente aos partidos tradicionais. Como se fossem a peça da moda desta estação, de cores garridas e corte exuberante, de uso limitado porque provocam desinteresse quanto mais excêntrica a peça. Um desperdício de dinheiro, no caso da peça. Um desperdício de votos, no caso dos partidos pouco responsáveis.

Neste contexto, o Bloco de Esquerda é o exemplo para estes partidos emergentes: discurso provocador, mensagem disruptiva, desprezo pelos seus pares, acusações insidiosas, assume-se como o partido opositor às elites do poder. Tudo isto com um único propósito, dissimulado, mas à vista de todos – a conquista e o exercício do poder. Nada mais. Uma inspiração para os que ainda agora estão a começar, mesmo que ideologicamente se situem no extremo oposto. A forma sobrepõe-se ao ideário.

Enquanto cidadãos temos responsabilidades cívicas e morais. Somos nós quem tem que mostrar desagrado pelo nível de crispação a que estamos a chegar, por sermos inundados com discursos de ódio contra a política e contra os políticos, que servem interesses da mais variada ordem e ao instalarem-se vão promover a abstenção (a quem favorece a abstenção?), a desconfiança no sistema democrático e representativo e a indiferença pelo que é mais fundamental para a sociedade – a política. Tudo é política nos nossos dias, desde o momento em que acordamos até ao momento em que fechamos os olhos. Precisamos de administrar o nosso quotidiano, as instituições, os assuntos públicos, a comunidade, o Estado, com os que demonstram vontade e empenho em fazê-lo. E respeitar quem ainda tem esta vocação.