Época quase no fim. Como era hábito então, jogava-se a Taça de Portugal, assim de enfiada, para despachar o futebol e a malta poder ir de férias. As meias-finais tinham ditado um Sporting-Famalicão, jogado no campo mais ou menos neutro das Salésias – a verdade é que os do Minho tinham sido obrigados a calcorrear uns bons quilómetros –, e um FC Porto-Atlético, em Coimbra. E, em Coimbra, a surpresa. O Atlético venceu por 2-1. Em Lisboa, a história foi bem mais macabra.
No dia 23 de junho de 1946, nem todos os violinos estavam afinados. Jesus Correia, Travassos e Vasques ficaram de fora. Uma nova linha ofensiva foi inventada: Armando Ferreira, Sidónio, Peyroteo, Marques e Albano. Faria maravilhas.
Diga-se sem rebuço que esse Famalicão talvez tenha sido o melhor de todos os tempos. Tinha Sansão, o guarda-redes sem Dalila. Tinha Jonas Szabó, o húngaro, treinador-jogador, e Adelino no meio-campo. E, na frente, Gita e o fantástico argentino Oscar Tellechea.
De pouco lhe serviu.
Os leões, ávidos, esfomeados, cercaram a defesa adversária com instintos sanguinários.
Só com uma generosidade e um espírito coletivo notáveis é que os famalicenses foram adiando o golo do Sporting. Adiaram-no até aos 27 minutos. Uma proeza!
Mão de Ferrão na grande área. O árbitro Domingos Miranda, do Porto, não teve dúvidas. Barrosa chutou certeiro.
Não havia forma de os minhotos adivinharem que estavam à beira de um dos maiores desastres da sua história. Logo num tempo em que festejavam com satisfação incontida a sua primeira presença numa meia-final da Taça.
Trinta e cinco minutos. remate violento de Veríssimo à barra. Sansão luta com Sidónio para evitar a recarga. Acaba por ser ele a enfiar a bola dentro da própria baliza. Mas isso nem foi o pior. O keeper do Famalicão lesiona-se dolorosamente. Adelino tem de ir ocupar o seu lugar porque substituições ainda não faziam parte das regras dos jogos oficiais.
O dique abriu-se.
A um minuto do intervalo, o Sporting faz 3-0, por Sidónio.
Como aguentar 45 minutos em tão declarada inferioridade? Sansão sacrifica-se. É extremamente abalado que regressa para junto dos postes. Mas não é o verdadeiro Sansão. É um fantasma de Sansão com um esgar de dor a cada movimento.
Quarenta e nove minutos: 4-0 por Peyroteo.
Nada a fazer. Sansão saiu de novo. Era-lhe impossível aguentar o sofrimento.
O jogo transformou-se num massacre.
Sessenta minutos: 5-0 por Peyroteo.
Sessenta e um minutos: 6-0 por Armando Ferreira.
Szabó aleija-se. Também sai de campo.
Sessenta e nove minutos: 7-0 por Sidónio.
Setenta e dois minutos: 8-0 por Armando Ferreira. O Sporting joga por jogar. Contra mortos-vivos…
Setenta e dois e 74 minutos: 9-0 e 10-0 por Sidónio e Barrosa, este de penálti.
Tellechea e Adelino também saem, magoados. A quatro minutos do fim, Armando Marques põe fim à chacina: 11-0. Nem os vencedores conseguiam exibir alegria…