Foram precisas poucas horas até se confirmar o que já se previa quando se soube que a casa do presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) tinha sido alvo de buscas na última quarta feira: Carlos Mourato Nunes é um dos arguidos no caso das golas inflamáveis. Neste inquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal estão em causa crimes de fraude na obtenção de subsídio, de participação económica em negócio e de corrupção.
Ontem, depois de ter reunido com os vários comandantes distritais de operações de socorro por videochamada – o presidente da ANEPC tornou pública a sua decisão de não abandonar o cargo.
Num comunicado em que confirmava ter sido “constituído arguido no processo relativo ao ‘Programa Aldeia Segura Pessoas Seguras’”, Mourato Nunes dizia ainda não ter tido qualquer conduta menos própria: “Como teve oportunidade de transmitir a toda a estrutura da ANEPC, [o presidente] não concede nas imputações invocadas quanto ao seu envolvimento em quaisquer que possam ser os factos deste processo”.
E terminou deixando claro que não sairá por sua livre vontade: “Nesse sentido, [o presidente] continuará a colaborar ativamente com a Justiça, como é aliás seu dever, não deixando, porém, de exercer todos os direitos que o referido estatuto lhe confere, em sua defesa e no sentido do apuramento da verdade”.
Como o i já havia noticiado, na quarta-feira as autoridades já tinham constituído como arguido o antigo adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil, Francisco Ferreira – que se demitiu em julho –, Artur Neves, secretário de Estado da Proteção Civil, que no próprio dia apresentou a sua demissão, e as empresas Foxtrot Aventura e Brain One.
Ministro mantém confiança em Mourato Nunes O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, reagiu ontem à tarde à investigação do Ministério Público, afirmando que “respeita as decisões individuais tomadas pelo Eng.º José Artur Neves e pelo Tenente-General Carlos Mourato Nunes”.
Dizendo-se disponível para continuar a colaborar no apuramento dos factos, Cabrita destacou “o papel da ANEPC na transformação estrutural no Sistema de Proteção Civil”, referindo que graças a isso foram possíveis “os resultados alcançados em 2018 e em 2019 no âmbito do combate aos incêndios rurais e das ações de planeamento civil de emergência”.
A terminar, o governante “reitera a plena confiança no presidente e em toda a estrutura da ANEPC, cuja motivação e desempenho são essenciais para a segurança dos portugueses”.
O negócio pouco claro das golas pouco úteis. Na última quarta-feira 200 inspetores da Polícia Judiciária de vários pontos do país, seis procuradores e sete outros elementos da Procuradoria-Geral da República (PGR) fizeram oito buscas domiciliárias e quarenta e seis não domiciliárias. As diligências aconteceram de norte a sul do país, visando inclusivamente a casa e o gabinete do secretário de Estado da Proteção Civil, a sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) – assim como a casa do seu presidente –, a empresa Foxtrot Aventura e vários Comandos Distritais de Operações de Socorro (CDOS).
A notícia de que foram distribuídas 70 mil golas inflamáveis no âmbito do programa Aldeias Seguras começou por ser considerada pelo Ministro da Administração Interna como “irresponsável e alarmista”, mas a forma como foram adjudicadas as empresas levaram logo o Ministério Público a abrir um inquérito, dado haver indícios de crime.
Logo em julho, o adjunto do secretário de Estado Francisco Ferreira pediu para sair, depois de se saber que fora ele quem sugerira as empresas que forneceram as golas, os kits de emergência e os panfletos de sensibilização, no âmbito do programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras.
Só a Foxtrot Aventura, Unipessoal Lda. – de Ricardo Peixoto Fernandes, marido de Isilda Gomes da Silva, presidente da Junta de Freguesia de Longos, em Guimarães – arrecadou 102 200 euros (valor sem IVA) pelo fornecimento das 70 mil golas que, apesar de serem destinadas a pessoas envolvidas em situações de incêndio, são de material potencialmente inflamável. E ganhou 165 mil euros (valor sem IVA) com a venda de kits de autoproteção. A empresa foi criada pouco depois de o Governo ter decidido criar este programa.
Para a elaboração de panfletos foi escolhida a Brain One, por perto de 11 mil euros (valor sem IVA), empresa com histórico de contratação com o município de Arouca, de que fora presidente Artur Neves.
PGR confirma
Costa já tem parecer sobre Artur Neves Pode ser público A PGR confirmou ontem ao i que entregou ao primeiro ministro o parecer do conselho consultivo no qual se esclarece se os negócios do filho de Artur Neves eram incompatíveis com o cargo do pai. E não se opõe à sua divulgação. PM em silêncio O i pediu ao gabinete de Costa acesso ao parecer mas não recebeu resposta.Pode ser público
A PGR confirmou ontem ao i que entregou ao primeiro ministro o parecer do conselho consultivo no qual se esclarece se os negócios do filho de Artur Neves eram incompatíveis com o cargo do pai. E não se opõe à sua divulgação.
PM em silêncio
O i pediu ao gabinete de Costa acesso ao parecer mas não recebeu resposta.