Guerra de trincheiras


A Europa das instituições de hoje é uma disputa constante que espelha bem a história do Velho Continente. Funciona em grupos, blocos ou alianças que vão oscilando e ajustando-se consoante o foco do conflito ou os interesses específicos.


Sempre tive a ideia de que o projeto europeu e, em concreto, as relações entre as diversas instituições não eram algo pacífico nem tão-pouco escorreito.

Também nunca achei que fosse uma guerra instalada mas, para o efeito e neste artigo, é apenas uma boa analogia.

Ou seja, no fim de cada ciclo bélico (leia-se termo de vigência de uma comissão) registam-se várias uniões e sucessos assinaláveis para o desenvolvimento da Europa como um todo.

Mas até lá, e durante os períodos balizados pelo armistício (início e fim de mandato de cada Comissão Europeia), aquilo a que se assiste é a uma verdadeira guerra de trincheiras em que o mote é conquistar centímetros no campo de batalha que, em concreto, se traduzem em linhas, parágrafos, artigos e cedências de posições em busca de um compromisso.

Em resumo, e em sentido bélico figurado, recordando a Europa do início do século passado, a Europa das instituições de hoje, pode interpretar-se assim.

É uma disputa constante que espelha bem a história do Velho Continente. Funciona em grupos, blocos ou alianças que, tal e qual as Ententes de Bismarck do final do séc. xix, vão oscilando e ajustando-se consoante o foco do conflito ou os interesses específicos.

São várias as categorias de intervenientes neste contexto “bélico”, das quais se destacam a comissão, o Parlamento Europeu e o conselho – uma espécie de linha da frente das trincheiras –, estrategicamente situados e meticulosamente limitados por regras de procedimento claras que, se quiserem, por analogia, impedem uma escalada global e totalmente disruptiva do palco de guerra a que, consensualmente, podemos chamar negociações.

Em rigor é isto: negociar! É o que se faz em Bruxelas. É uma verdadeira guerra negocial. Os representantes dos Estados-membros são enviados para estas trincheiras tal e qual o Corpo Expedicionário Português na batalha de La Lys, com uma assinalável diferença: estes novos soldados, os dos dias de hoje, vão para a batalha negocial bastante mais bem preparados e apoiados – La Lys são, hoje, recorrentes dias D.

Depois, em redor do campo de batalha, que vai alterando a sua localização sobretudo entre o parlamento e o conselho, surgem uma série de tropas especiais, vulgo os lobistas. Atentos à evolução ou às tendências das negociações, vão tentando influenciar o lado que vai ganhando mais centímetros de trincheiras e que sirva os seus interesses.

É um frenesim e uma operação logística e burocrática incomparável, superando o também pesado sistema norte-americano apenas por uma razão muito particular: são 28 nacionalidades, mentalidades, costumes e formas de pensar diferentes. E por mais que nos digam que somos europeus, o que efetivamente somos, antes de tudo temos uma identidade própria que, julgo eu, continuará a alimentar algumas reservas mentais em relação ao vizinho mais próximo.

Muito já se progrediu, é certo, mas foram séculos de contendas, disputas, traições e negociações. E estas últimas não estavam, como agora, meticulosamente enquadradas num sistema jurídico e procedimental que impede uma escalada de conflitos e consequências – não fosse esse o âmago da criação da União Europeia.

Outro fenómeno curioso é o sistema de rotatividade dos “generais” do conselho: as presidências.

Instituiu-se um sistema que, a meu ver, tem uma vantagem e um entrave. A primeira, claramente sinónimo de promoção da igualdade entre Estados, independentemente da sua dimensão, fomenta a aproximação entre países que se sucedem nas presidências – temas que transitam de mão em mão, obrigando a uma coordenação mais próxima e a um debate mais construtivo. Um entrave, porque o período de vigência de uma presidência é de apenas seis meses o que, manifestamente, pode ser curto para promover, de forma sustentada e, arriscaria, eficaz, uma política, uma visão ou um projeto sólido.

Em contraponto, temos uma comissão e um parlamento que mudam de cinco em cinco anos, assegurando maior estabilidade, maior coabitação e uma possibilidade de planificar a médio prazo estratégias de atuação.

Não tenho uma opinião formada sobre se deveria ser diferente e, se fosse, se seria melhor ou pior. É o que é e limito-me, para já, a perceber este complexo mecanismo e poderosa máquina de negociação. Aliciante, excitante e profundamente viciante. Cada centímetro ganho em cada negociação é sinónimo de regozijo e motivação. Uma verdadeira guerra de trincheiras.

 

Escreve à quinta-feira