Uma das notícias destes dias foi o facto de o reitor da Universidade de Coimbra ter expurgado das ementas dessa secular instituição, que já foi de ensino, a carne de vaca.
A razão para tão autoritário desmando terá sido, dizem os jornais, a denominada emergência climática e pressupõe, se entendemos o fenómeno, o facto de o consumo de carne de vaca em Portugal ou, pelo menos, na Europa, estar a contribuir para o aumento das emissões de gás metano.
Ou seja, se vemos bem, a urgência climática, necessariamente aliada a um aumento dramático da criação para consumo humano da carne de vaca que os estudantes da Universidade de Coimbra deixaram de poder comer, exigiu, a bem da sustentabilidade ambiental, que uma universidade largas vezes centenária decretasse a proibição de um alimento que aí se consome há centenas de anos.
Será de pressupor, pois, considerando uma janela temporal que não seja imediatista, que os hábitos de consumo e o aumento desordenado da produção tenham exigido estas tomadas autoritárias de posição sobre a liberdade de escolha dos alunos, por força de uma qualquer emergência óbvia, evidente e palpável.
Ainda que a referida emergência exista, muito pouco cientificamente, a reitoria não partilhou sobre ela qualquer dado ou facto que permita concluí-la como a medida necessária e imediata que há muito se impunha. Sobre isso disse nada e os conceitos são assim, apenas e só, os das espumas dos dias da emergência decretada não se sabe bem por quem… Combate-se, a acreditar no que por aí se escreve, o gás metano que as produções de vacas emitem e que impõem esta medida singular.
Era importante saber qual o relevante fenómeno que impôs tão urgente e cirúrgica medida, entre tantas possíveis para este tema dos gases com efeito de estufa passar a emergir.
Sem muita pesquisa, é fácil saber que o gás metano que é normalmente associado às produções pecuárias de vacas tem um efeito de estufa relativamente curto e persiste na atmosfera, enquanto tal, no máximo pouco mais de uma década.
Esta constatação, assim, pode dar-nos a garantia de que, desde que os stocks de animais se mantenham constantes durante cerca de uma década, a continuação da sua produção ao mesmo ritmo não fará acrescer, quantitativamente, mais gás metano relativamente àquele que já existe na atmosfera, porque as emissões de gás novo serão iguais ao que se degrada.
A ser assim, como é, a tomada de posição do sr. reitor deveria necessariamente basear-se num aumento desproporcional e perigoso nesta relação que implique um aumento relevante num cenário temporalmente mensurável e que permite concluir pela tal emergência.
Não consegui encontrar na minha pesquisa evidências estatísticas consultáveis.
Mas há informação que nos elucida sobre países, como os Estados Unidos da América, que tinham cerca de 25 milhões de cabeças de gado em 1950 e têm agora cerca de nove milhões, mas atenta a melhoria das técnicas de produção, a selecção e apuramento das raças e o desenvolvimento técnico e cientifico, com uma população actual de apenas nove milhões de cabeças de gado leiteiro, produzem agora mais cerca de 60% do que todo o stock leiteiro de 1950.
Ganhos de rentabilidade e de produção desta grandeza existem também na Europa, em países como a Dinamarca, e com expressões idênticas no restante espaço europeu.
E a verdade é que, em termos absolutos, a Europa ou mesmo os Estados Unidos, que eram em 1950, em conjunto, responsáveis por cerca de 45% do stock mundial de gado bovino, há muito que foram ultrapassados por países como a Índia onde, muito curiosamente, as vacas crescem a ritmo alucinante para a indústria dos laticínios e onde, para mais, não há consumo de carne de vaca, e onde os rácios de produção são de quatro a cinco vacas na Índia para uma na América ou na Dinamarca e que deverão ser quase os mesmos para os demais países da UE.
E o que os números nos dizem, numa análise pouco aprofundada mas muito menos alarmista, ideológica e radicalizada do que a do sr. reitor, é que está por provar, em termos absolutos, que neste momento a produção de carne de vaca servida nas cantinas da UC, para alimentação, imponha tamanhas restrições à liberdade dos seus alunos de comerem carne se quiserem.
Como bastará ler dois ou três artigos sobre o assunto e que tenham alguma credibilidade para perceber, por exemplo, que a indústria dos laticínios (como, por exemplo, a da Índia) põe um problema global infinitamente maior e mais urgente que os consumidores de carne da Universidade de Coimbra e a pegada ecológica dos seus fornecedores.
Já agora, saiba-se que a emissão de gases com efeito de estufa associada à produção agropecuária situa-se num intervalo abaixo dos 3% das emissões totais, e a relacionada com o uso de combustíveis fósseis mais de 80%.
Muito curiosamente, a reitoria não proibiu a utilização de carros (não elétricos) nos seus campus, nem o consumo de laticínios como os iogurtes, o que demonstra o carácter errático e demagógico desta tomada de posição que, atenta a falta de substanciação com que emanou, apenas podemos presumir ter nascido de um alinhamento casual com o pior da agenda da espuma dos dias.
E o que torna profundamente confrangedor este desvario é estar a assistir-se, em centros de ciência que se querem de referência, a esta contaminação ideológica do pior das redes sociais para cercear liberdades, maiores ou menores, sem o sentido crítico da liberdade que, antigamente, as universidades garantiam.
Por estes dias calam-se as vozes dissonantes do discurso mainstream, impõem-se ideias de pensamento único, cerceia-se o debate académico a favor de uma eugenia ideológica monolítica e politicamente correta, tudo com a bênção ou o silêncio sequestrado das reitorias.
Só nos faltava agora, mas suspeito que não será o fim, que se imponham aos alunos as dietas que hão de comer. A certeza de que a medida segue a cartilha dos novos fascismos culturais vem-nos do aplauso totalitário com que André Silva celebrou uma medida de insuportável imposição e violência sobre as escolhas individuais.
Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990







