A queda de Artur Neves. Foi uma questão de semanas

A queda de Artur Neves. Foi uma questão de semanas


Depois das golas, vieram os negócios ilegais da empresa do filho. Nada tinha feito cair o secretário de Estado da Proteção Civil, que ontem não resistiu à constituição de arguido e às longas buscas ao seu gabinete.


O até ontem secretário de Estado da Proteção Civil, Artur Neves, está no centro de todas as suspeitas, mas há outros assuntos que nos últimos tempos mancharam a sua imagem, como os contratos que o filho celebrou com entidades públicas. Ontem, logo após ter apresentado a sua demissão, o Ministério da Administração Interna apressou-se a anunciar que a mesma tinha sido aceite: “Na sequência do pedido de exoneração, por motivos pessoais, do Secretário de Estado da Proteção Civil, o Ministro da Administração Interna aceitou o pedido e transmitiu essa decisão ao Primeiro-Ministro”.

Poucas horas depois soube-se, através de nota publicada no site da Presidência da República, que Marcelo Rebelo de Sousa tinha já aceitado a exoneração: “Nos termos do Artigo 133.o, alínea h) da Constituição, o Presidente da República aceitou hoje a proposta do Primeiro-Ministro de exoneração, a seu pedido, do Secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Tavares Neves”. O secretário de Estado, que chegou em outubro de 2017, não chegou assim a completar sequer dois anos no Governo.

 

Negócios do filho: A outra ponta solta de Artur Neves

Logo após ter rebentado a polémica das golas antifumo foi noticiado que o filho de Artur Neves tinha participação numa empresa que assinara contratos com entidades públicas – uma situação que é proibida pela lei em vigor das incompatibilidades de titulares de cargos políticos.

Em julho, com as notícias das golas ainda a encher páginas e páginas de jornais e este novo caso, o secretário de Estado da Proteção Civil veio justificar-se (e tentar justificar a ilegalidade cometida), afastando desde logo a hipótese da sua demissão.

“Importa esclarecer que o meu filho, sendo engenheiro, exerce a sua profissão no setor privado e a empresa para a qual trabalha, e onde detém uma participação minoritária, celebrou três contratos para a realização de empreitadas com a Universidade do Porto (um concurso público e um ajuste direto) e com o Município de Vila Franca de Xira (um concurso público)”, afirmou na altura Artur Neves, dizendo não ter conhecimento de muitos detalhes, não deter qualquer participação na empresa ou mesmo ter exercido influências.

“Acresce que as entidades públicas contratantes são totalmente independentes do Governo, designadamente na decisão de contratar, não tendo comigo, enquanto governante, qualquer relação de tutela ou superintendência”, disse, concluindo lamentar notícias sobre familiares.

Mas a situação que lamentava ter sido noticiada é, na prática, uma violação de uma lei, independentemente de tudo o que disse ser ou não verdade.

Com base nas suspeitas públicas, e apesar de tê-lo sempre defendido, António Costa pediu um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a situação. O primeiro-ministro questionava mesmo a redação da lei em vigor (que foi já alterada, entrando em vigor no próximo ano a nova versão): “Não pode deixar de suscitar dúvidas como alguém possa ser responsabilizado, ética ou legalmente, por atos de entidades sobre as quais não detém qualquer poder de controlo e que entre si contratam nos termos das regras de contratação pública, sem que neles tenha tido a menor intervenção”.

Também Augusto Santos Silva pôs em causa a lei para defender Artur Neves: “Seria um absurdo a interpretação literal da lei”.

A empresa na qual o filho de Artur Neves tem uma participação de 20% é a Zercac. E, no âmbito dos três contratos celebrados, encaixou 2,1 milhões de euros. A lei determina que empresas detidas em mais de 10% por familiares diretos de governantes não podem celebrar contratos com o Estado, sendo o seu incumprimento punido com perda de mandato.

Foi uma questão de semanas até Artur Neves cair. Ontem, dia em que se ficou a saber que é um dos arguidos na investigação às golas, pediu a exoneração ainda as buscas ao seu gabinete não tinham terminado.

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