Entre acusações de corrupção, uma guerra nas sombras cada vez mais hostil com o Irão e uma promessa de anexação de cerca de um terço do território palestiniano na Cisjordânia, os israelitas vão às urnas esta terça feira – é a segunda vez este ano – para decidir os destinos do país, onde o extremismo religioso judaico parece ter cada vez mais espaço político.
Benjamin Netanyahu é o primeiro chefe de Executivo israelita em funções indiciado por acusações criminais. É acusado de ter, alegadamente, tentado melhorar a sua cobertura mediática através de vários acordos ilegais e também de receber subornos no valor de 200 mil dólares, em champanhe e charutos cubanos. Mesmo assim, ganhou as eleições, em abril, por uns escassos 0,33%, com 26,46% dos votos e 36 lugares no Knesset, Parlamento de Israel.
Apesar de a direita ter obtido a maioria no Knesset – e apesar de Israel ter um sistema eleitoral propício a coligações – Netanyahu não conseguiu formar uma coligação depois das eleições de abril. Netanyahu procura agora o quinto mandato como chefe do Executivo de Tel-Avive, mas as coisas não se afiguram fáceis.
Com as sondagens a darem um empate técnico entre o seu partido, o Likud, e a aliança Azul e Branca – criada para combater a alegada corrupção de Netanyahu e constitui a maior ameaça ao primeiro-ministro da última década –, do General Benny Gantz (que ficou em segundo lugar há alguns meses), Netanyahu move-se cada vez mais à direita para garantir a sua sobrevivência política e contornar as acusações de corrupção. “Netanyahu está desesperado para ser reeleito e formar Governo, porque é a única maneira de não ir a tribunal”, sublinhou Uri Drom, um analista da política israelita, à Al Jazira.
A estratégia do primeiro-ministro não é nova. Nentanyahu repetiu a mesma narrativa de abril, mostrando-se como o único político capaz de anexar territórios palestinianos, dado a sua relação com Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, e, por isso, o único que pode “escapar” com tal ação na comunidade internacional. Para as eleições de abril, prometeu anexar partes da Cisjordânia, sem, no entanto, dizer quais. Na semana passada, Netanyahu apresentou um plano concreto para anexar o Vale do Jordão, ou seja, quase um terço da Cisjordânia – para tentar a qualquer custo obter os votos dos votantes de extrema-direita e de residentes de colonatos.
Nas eleições de 2015, o Likud obteve 30 lugares e formou coligação com outros partidos menores de direita, incluindo os ultraortodoxos. A aritmética parlamentar israelita – nunca um partido conseguiu maioria absoluta no Knesset – o que faz com que Netanyahu tenha que procurar partidos à sua direita para poder formar maioria.
As coisas começaram a complicar-se para Netanyahu, quando o seu antigo braço direito e antigo ministro da Defesa, Avigdor Lieberman, da formação nacionalista secular Israel é a Nossa Casa, saiu da coligação por causa do cessar-fogo na Faixa de Gaza, no ano passado. “Uma rendição ao terrorismo”, justificou na altura. Em suma, Netanyahu não conseguiu formar Governo depois das eleições de abril, porque a formação de Lieberman recusou-se a entrar no Executivo por exigir que os estudantes ultraortodoxos fossem obrigados a servir na Forças Armadas israelitas, algo que o primeiro-ministro não aceitou devido aos seus aliados religiosos no Governo. Em Israel, o serviço militar é obrigatório, exceto para os ultraortodoxos – hoje, há um grande debate na sociedade israelita sobre essa mesma dispensa.
Netanyahu tem tentado gradualmente aproximar-se dos ultraortodoxos israelitas, que rejeitam a solução a dois Estados e são largamente a favor da anexação da Cisjordânia. Nomeou, aliás, este verão, dois ministros de extrema-direita para o seu Governo minoritário: Bezalel Smotrich e Rafi Peretz, ambos da União dos Partidos de Direita (uma aliança política de partidos de direita e extrema-direita religiosa e sionista, que apoiará um Governo de Netanhyahu, caso este tenha os assentos necessários). O último, um rabi ultraortodoxo e antigo militar foi investido como ministro da Educação. Peretz, em entrevista ao Times of Israel, defendeu a “conversão terapêutica” de pessoas com “tendência” homossexual.
Já Smotrich, nomeado ministro dos Transportes, apelou à restauração da lei religiosa judaica em Israel – imbuída na Torá, o texto supremo para o judaísmo. Tal como o Likud, a União dos Partidos de Direita é contra a existência de um Estado palestiniano e apoia a construção de colonatos no território da Palestina ocupada.
Parte da estratégia de viragem à direita do primeiro-ministro, é o endurecimento da linha contra o Irão. Nos últimos meses, o Governo de Netanyahu lançou uma série de ataques no Médio Oriente para evitar que o Irão equipe os seus aliados árabes com mísseis de precisão, drones e outras armas sofisticadas. No final do mês passado, Israel atacou um centro de comunicações do Hezbollah, um aliado iraniano, no Líbano. “Há eleições e Netanyahu precisa de mostrar que está a proteger Israel”, defendeu Talal Atrissi, sociólogo libanês, ao New York Times.
Possibilidades de Governo
Para garantir a maioria absoluta, é preciso obter 61 dos 120 lugares do Knesset, Parlamento de Israel. Nas últimas sondagens de 13 de setembro, realizadas pelo Israel Policy Forum, o Likud e a coligação Azul e Branca estão ambos com 32 lugares. Em terceiro, está a coligação árabe “Lista Conjunta”, de quatro partidos diferentes, com 10 lugares. Em quarto, aparece a União de Partidos de Direita com oito lugares. De acordo com várias sondagens, é esperado que 10 partidos tenham assento parlamentar. O histórico Partido Trabalhista – do fundador do Estado de Israel, Ben Gurion – encontra-se nas ruas da amargura, com apenas seis lugares nas sondagens.
Depois das eleições, o Presidente israelita, Reuven Rivlin, vai analisar qual é o candidato que acredita ter melhores probabilidades para formar Governo. Dada as previsões, os cenários são diversificados. Netanyahu pode obter maioria, contando com os partidos que o apoiam e, assim, formar Executivo – em coligação com os partidos à direita parece ter apenas 58 assentos. Poderá não haver um vencedor claro e Netanyahu poderá ter de sair “fora da caixa” e tentar formar Governo com Gantz. Por sua vez, também é possível haver um Governo de centro-direita sem Netanyahu. Ou então, um Executivo de Gantz apoiado pelo centro-esquerda e pela coligação árabe. Se houver novo impasse na formação de um Executivo, o país terá de voltar a ir às urnas.
Israel tem 5,8 milhões de votantes, de uma população de nove milhões. Os palestinianos a viver na Cisjordânia e na Faixa de Gaza não podem votar – tal como muitos a viver em Jerusalém de Leste que não têm a nacionalidade israelita. Por outro lado, os ultraortodoxos, compõem apenas 10% dos votantes, comparando com os 44% que se consideram seculares. Mas têm conseguido aumentar o seu poder na política. “Não nos estamos a tornar numa minoria pequena, mas numa grande minoria”, disse Ytzkah Zeev Pindrus, deputado do partido ultraortodoxo, ao New York Times.