A estirpe lusa tem traços vincados de características únicas, mas incontornáveis. Reconhecemo-las em nós e, mesmo que não queiramos, todos acabamos, invariavelmente, por demonstrá-las nas nossas atitudes e atos.
A que mais nos caracteriza é, na minha opinião, o queixume. Lamuriamo-nos sobre aquilo que é nosso, o nosso país, a nossa cidade, os nossos serviços e, muitas vezes, o trabalho que escolhemos. A permanente disponibilidade para dizermos mal do que nos rodeia e o facilitismo com que atiramos comparações inusitadas sobre aquilo que é nosso faz-nos, por vezes, cair no ridículo. E por uma simples razão: desconhecimento.
Não sou diferente do resto dos portugueses mas, por ter tido a oportunidade de conhecer, um pouco por todo o mundo, outros locais, gentes e costumes, o meu queixume foi-se esbatendo. Passei a ganhar uma consciência mais realista do quão maravilhoso é o nosso país, as nossas cidades, as pessoas e, em geral, os serviços que nos são disponibilizados por Estado e setor privado.
A mais recente constatação, se dúvidas houvesse, foi perceber o quanto maravilhosa é Lisboa. A sua fluidez, a sua aparência desorganizada mas extremamente funcional, a limpeza generalizada, a qualidade dos equipamentos ou a simpatia das pessoas.
Mas, invariavelmente, o que se ouve é que Lisboa é caótica, suja, degradada… em suma, um horror.
Mas não é! Está longe de o ser. Comparativamente com Bruxelas, a cidade onde vivo, Lisboa está uns bons furos acima. É preciso não esquecer que Bruxelas é o centro da Europa. Aqui tudo se decide e daqui percebemos melhor que os portugueses se devem orgulhar do país e das cidades que têm.
Mas olhemos para Lisboa, a cidade que melhor conheço e aquela a que chamo casa. Um dos principais motivos de fúria dos lisboetas são as obras. Sobretudo as da via pública e levadas a cabo por câmara e juntas.
São intermináveis, provocam o caos no trânsito, enchem-nos as casas de pó, incomodam, e disparamos a criticar tudo e todos com uma postura de que isto apenas acontece em Lisboa. Mais, verbalizamos como se não existisse mais nenhuma cidade, pelo menos na Europa, em que isto aconteça.
Pois bem, não é assim, muito pelo contrário e, com propriedade, posso dar-vos como exemplo Bruxelas.
Há anos que aqui venho e, agora, há semanas que resido, e garanto-vos que não é um mar de rosas. É uma bela cidade, mas não destrona Lisboa.
A começar pelas intervenções na via pública. Contei pelo menos três que estão ongoing há pelo menos dez anos. Não se vislumbram avanços, ou melhor, avanços há, mas a ideia que fica é que são feitos em forma de remendos. Tapam-se e destapam-se valas sucessivamente e lado a lado. O número de trabalhadores é reduzido e intervenções noturnas são uma miragem. Em Lisboa também as há? Há, claro que há, e sofremos na pele as obras na Praça do Comércio durante anos. Mas se pensarem bem, nos últimos dez anos não conseguem assinalar uma obra que tenha demorado uma eternidade (sejam justos e definam vocês eternidade).
Depois temos o trânsito – caótico, dizemos. E com alguma razão, verdade seja dita. Sobretudo em dias de chuva, pré-férias e entradas ou saídas da capital. Mas é, de facto, assim tão mau?
Uma vez mais, a comparação com Bruxelas. Aqui, para além das obras, que para este efeito contribuem, temos alguns pontos críticos que são um verdadeiro terror. E só o são por um ineficiente planeamento urbanístico. Imaginem uma entrada de Lisboa em que confluíssem, numa única parte da cidade, sem vias alternativas e, a culminar, numa rotunda de duas faixas a A1, a CRIL, o IC19 e a N10… O que significaria? Uma coisa apenas: suicídios em massa!
Lisboa, mesmo com os seus defeitos, mas sobretudo pela sua configuração complicada e secular, não apresenta este tipo de deficiências.
Aqui, em Bruxelas, é assim. E, ainda assim, não vejo grande sublevação das massas. Talvez porque não conheçam Lisboa nem os portugueses em geral.
Estas minhas experiências e, em concreto, esta mais recente, apenas reforçou aquilo que há muito considero. Lisboa não é um horror. Lisboa é, provavelmente, das melhores cidades do mundo para se viver. Fruto dos lisboetas, de uma gestão autárquica com visão e de pessoas que se importam e têm orgulho naquilo que são e representam.
Não vejo a hora de a revisitar. Parabéns, Lisboa.
Escreve à quinta-feira