Alguém ouviu falar do Orçamento do Estado 2020?


A campanha não é propriamente alegre, mas vai sendo animada por cenas caricatas que a apimentam, como as produzidas por Catarina Martins e o PAN.


1. A campanha não é alegre, mas é animada pela confusão diária, enquanto ainda não se ouve falar dos aspetos concretos do Orçamento do Estado, que tem de ser apresentado logo a seguir às eleições. É no mínimo estranho que o Governo não tenha, até agora, chamado institucionalmente os partidos parlamentares para discutir aspetos gerais do documento fundamental do país, no qual devem ser vertidas todas as grandes despesas e ser expressas as prioridades imediatas. É verdade que os resultados eleitorais podem obrigar a muitas modificações políticas e até à eventual saída de todos os governantes, mas, sendo Portugal um membro da União Europeia e mesmo que esta esteja em convulsão interna, há linhas-mestras que devem ser seguidas e concertadas entre os partidos mais representativos. Como se viu com a geringonça, hoje, até o PCP, os Verdes, o Bloco e o PAN aceitam as regras europeias, pelo que haver alguma concertação deveria ser possível e seria uma boa imagem a passar para fora do retângulo à beira-mar plantado. Com um Brexit à porta e uma recessão à vista, talvez fosse bom preparar 2020.

2. Os momentos mais hilariantes foram proporcionados por Catarina Martins, que se afirmou social-democrata e disse que as barragens são um problema por causa da evaporação. Desde o caso Robles que o Bloco não tinha tanta graça. Outro episódio impagável veio da parte de António Costa, quando falou de um aspeto do programa do PSD que pura e simplesmente não estava lá, em termos efetivos, mas apenas como hipótese a estudar. Temos um primeiro-ministro que não lê a pauta e toca de ouvido. É no mesmo sentido que se devem perceber as suas declarações sobre a prioridade a dar aos mais pobres da terceira idade, que considerou a população mais desprotegida. É verdade que os velhos em Portugal são muito desprotegidos, mas não são os mais maltratados. Os que mais sofrem, e mais abandonados, são as crianças inocentes que entre nós são aos milhares e que não têm os apoios que merecem, apesar de não faltarem funcionários, instituições públicas, autoridades judiciais, polícias e magistrados com a responsabilidade de lhes acudir.

3. Quem achava que não havia em Portugal um partido populista daqueles que fazem lembrar a direita mais radical desenganou-se. Existe e chama-se PAN. Tem no seu programa mais de 1200 propostas, o que significa que é o campeão das promessas, seguindo o método dos populistas de direita. A proposta mais extraordinária, e certamente mais aplaudida pelos liberais tipo Trump, foi a que o PAN produziu sobre as reformas. Nada mais nada menos que o seguinte: cada um desconta na medida do que ganha, mas para receber há um plafond. Com uma medida dessas, teríamos a maior fuga ao fisco da história, com muita gente a tentar ganhar por fora. Até aqui, o mais longe que se tinha ido era descontar uma quantia fixa para uma pensão máxima concreta e, depois, quem quisesse poderia aplicar o resto em fundos de pensões. Agora, o PAN ultrapassou pela direita todos os defensores dessa tese. O populismo é um lobo coberto com uma pele de cordeiro, coisa que cada vez mais o PAN parece ser. Como é um partido de oportunidade, o PAN pode mudar de um dia para o outro e, quando o PS dele precisar, pode transformar-se numa espécie de Verdes, ou seja, tornar-se um adorno, como estes são para o PCP.

4. Jerónimo de Sousa farta-se de repetir que está para durar nas funções de secretário-geral do PCP. Com a sua bonomia, lá vai explicando que, tal como disse Costa no congresso do PS há uns meses, não tinha ainda posto os papéis para a reforma. Jerónimo está a preparar duas coisas. Em primeiro lugar, um resultado eleitoral negativo para o PCP e a CDU em geral. Em segundo lugar, está a anunciar que é ele próprio que vai liderar o partido naquela que vai ser a sua maior prova de fogo nos próximos anos: as eleições autárquicas. Para o PCP, é mais importante recuperar Almada e a hegemonia na zona sul do país (perdida para o PS) do que ganhar dois ou três assentos parlamentares. Depois de ter sido severamente derrotado nas últimas eleições autárquicas, o PCP quer uma desforra e acordos com o PS que o reforcem no poder local.

5. Não há dia em que não surja uma informação negativa sobre o grupo Montepio, seja quanto à associação mutualista, ao Banco Montepio ou à seguradora Lusitânia. O Montepio é, no fundo, a única grande instituição bancária e de economia social genuinamente portuguesa. A sua situação é preocupante e controversa. O Governo, através de Vieira da Silva, que tutelava o setor mutualista, marimbou-se no assunto e o novo regulador nada fez ainda para esclarecer e pôr a claro o que se passa no grupo, ao qual estão ligadas mais de 600 mil pessoas e muitas poupanças. Simultaneamente, verifica-se que o tema está fora da campanha eleitoral, apesar de envolver uma instituição preponderante. Os média abordam o assunto, mas não confrontam os responsáveis políticos e os gestores. Afinal, o que se passa?

6. No meio disto tudo, os portugueses seguem sem entusiasmo a vida política, o que não é de estranhar porquanto andamos em campanha praticamente há um ano. Este desinteresse tanto pode ser saudável como preocupante. Seria saudável se significasse que o país está habituado à democracia e vai formando a sua opinião em função da governação que teve e das propostas que vai ouvindo. Seria altamente preocupante se viesse a traduzir-se numa abstenção que atingisse valores acima dos 50%. Se tal acontecer, teremos mesmo de rever muitas coisas na lei eleitoral para os Governos passarem a ter indiscutível legitimidade, embora quem se abstenha esteja apenas a fazer com que os outros decidam por si.

 

Escreve à quarta-feira