1. Há momentos em que a comunidade internacional não pode claudicar: a diplomacia dos interesses e dos (falsos) equilíbrios deve ceder face à premência da diplomacia dos valores e da eficácia. Não vale a pena discorrer longamente sobre a tolerância, a paz, a democracia, os direitos humanos – e, depois, ser muito suave, numa conivência (surda ou histriónica) com o terrorismo islâmico radical. É em momentos críticos que se apura quem apenas discorre sobre o substrato ideológico fundamental em que nos movemos – a democracia, o Estado de direito e de direitos humanos – e quem verdadeiramente está pronto a lutar e a ser consequente com os valores apregoados. Parece, no entanto, que coragem é algo que escasseia por entre a elite política europeia, mais preocupada com os seus interesses de longo prazo (materiais) do que com os seus interesses de todo o prazo, não suscetíveis de delimitação temporal-cronológica estanque (porque reconduzíveis aos eixos estruturantes da sociedade, do modo de vida que tanto estimamos). As reações ao último ataque do Hezbollah contra Israel – a partir da fronteira entre o Estado israelita e o Líbano, entre Avivim e Yiron – dos líderes europeus (e da comunidade internacional em geral) são deveras sintomáticas.
2. Mais uma vez, o silêncio ensurdecedor provocou muito ruído – e ruído de alerta, pela incapacidade de a Europa aplicar a mesma bitola de exigência aos terroristas que aplica aos Estados democráticos de que é suposta aliada. Neste ponto – recordamos aos nossos caríssimos(as) leitores(as) – podemos falar da Europa como unidade política, visto que (infelizmente, na nossa ótica, pela prática recente) há uma unidade da política externa da União Europeia (na sua estrutura institucional, encontramos mesmo um alto representante da Política Externa da UE). Como se percebe, esta política externa europeia sofre dos mesmos vícios da estrutura burocrática europeia: é controlada por forças de esquerda; o politicamente correto virou aí moda; o temor face ao terrorismo islâmico radical é incomensurável, preferindo o caminho fácil da subserviência à violência e o virar de olhos face à barbárie ao caminho (mais delicado mas tão mais certeiro) de pugnar pela decência, pela democracia, pelos amigos da liberdade. Falar e discorrer sobre os direitos humanos e a tolerância é fácil; defender os direitos humanos e a tolerância, em concreto, é bem mais difícil e decerto haverá sempre um preço que se pode pagar. Mas é tão mais reconfortante e dignificante estar do lado certo da História.
3. Pois bem, eis que o Hezbollah voltou a atacar diretamente o Estado de Israel, agitando de novo o ambiente na fronteira entre os dois países. Na verdade, temos dificuldades em reputar o Líbano como um Estado: uma realidade estadual pressupõe um poder político instituído, devidamente consolidado, suscetível de efetivar a sua autoridade na sua circunscrição territorial. Um poder que é reconhecido pelo seu povo – e que sirva o seu povo. Um poder político, enfim, que prossiga os fins tradicionalmente cometidos às comunidades politicamente organizadas. Ora, o Líbano é apenas uma comunidade terroristicamente organizada – e organizadamente terrorista. Está a converter-se – se não é mesmo – no verdadeiro Daesh, no verdadeiro Estado Islâmico. O poder político formal, de aparência – Michael Aoun –, serve apenas para distrair a comunidade internacional, dando vida a um zombie político-territorial que é o Líbano. Quem aí verdadeiramente manda é o Hezbollah e o terror que espalha; o espaço do Líbano e da Síria podem converter-se em breve (a proximidade temporal é diretamente proporcional ao grau de omissão e inércia da comunidade internacional, especialmente da Europa) no “Little Iran”. Toda a área compreendida entre o Líbano e a Síria passará a ser uma mera região administrativa de facto dos monstruosos aiatolas. O mundo será então um lugar muito pouco recomendável – para Israel, para a Europa, para o islamismo moderado e para a civilização ocidental. A nossa forma de vida será radicalmente alterada em poucos anos; uma nova era da História iniciar-se-á. A ascensão da China a superpotência mundial, juntamente com o avanço do terrorismo do (e de) Estado islâmico radical do Irão, representa a mais séria ameaça à segurança internacional desde há muito – não são apenas interesses específicos ou particularmente localizados que estão em causa; pelo contrário, em ambos os casos há uma intenção de domínio (embora com variantes diversas) à escala planetária.
4. A Europa finge não perceber – ora omitindo, ora atuando timidamente. Pense-se no convite que Emmanuel Macron formulou ao ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Javad Zarif, para estar presente no G7, tomando, desta forma, parte no conflito. E pela parte do monstro diabólico político (a maior ameaça à nossa civilização, aos nossos direitos e liberdades), traindo o seu próprio povo, que foi vítima de violentíssimos ataques terroristas no seu território! Uma semana depois, o Hezbollah – o filho gerado por invenção terroristicamente assistida do Irão – disparou um míssil a partir da sua fronteira norte com Israel, na área dos montes Golã, contra um veículo transportando militares israelitas, festejando depois a carnificina gerada. Sucede, porém, que tal carnificina, com que o Hezbollah queria “presentear” o povo que mantém cativo no Líbano, não sucedeu – pura invenção. Nenhum soldado das IDF foi assassinado, felizmente – mas o ataque foi bem real. É a prova de que Israel não pode ceder, em momento algum, o controlo dos montes Golã – e a comunidade internacional não pode aqui escudar-se numa neutralidade beligerante. Não reconhecer o direito de Israel a controlar o seu território – o que implica exercer plenamente a sua soberania sobre os montes Golã – é condenar este Estado (nosso amigo e aliado) à sua destruição. Que o mesmo é dizer: entregar o Médio Oriente ao terrorismo islâmico radical. A um pequeno passo da Europa.
5. Reiteramos: pese embora nenhum soldado tenha sido fatalmente ferido, a verdade é que o sinal político do Irão, por via do Hezbollah, é claro: intensificar os ataques a Israel, cirúrgicos, de forma a que sejam suficientemente grandes para provocar impacto mediático e apreensão – conquanto suficientemente pequenos para não escalar para um conflito militar aberto com Israel. Numa palavra: tal como Adolf Hitler usou a Guerra Civil Espanhola como treino para a ii Guerra Mundial, os aiatolas iranianos estão usando o Hezbollah e o Líbano como teste laboratorial para um conflito bélico de maiores proporções no futuro. Tudo com a complacência expressa, que significa aqui colaboração implícita, da Europa e das instituições do chamado globalismo (ONU, onde andas tu?). Não deixemos o Líbano e a Síria tornarem-se o “Little Iran”, o “novo pequeno Irão”.
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Escreve à terça-feira