Para a história, ficam as fotografias, as capas de revistas, mas não só. Por detrás de várias das capas que, na moda, marcaram a importante viragem da década de 1980 para a de 1990 esteve um nome: Peter Lindbergh. Para lá de um dos mais prolíficos fotógrafos da sua geração, o homem que abriu as portas àquela que ficou conhecida como a era das supermodelos. Foi afinal ele quem, em 1989, fotografou, pela primeira vez reunidas, Linda Evangelista, Naomi Campbell, Tatjana Patitz, Cindy Crawford e Christy Turlington para aquela que se tornaria numa das mais icónicas capas da Vogue britânica de sempre.
Peter Lindbergh é habitualmente descrito como o fotógrafo que iniciou a era das supermodelos que haveria de marcar os anos 90. E a verdade é que foi depois de ver aquela capa – a da Vogue de janeiro de 1990 – que George Michael decidiu juntar aquele grupo de modelos no teledisco da sua Freedom 90. O mesmo grupo de modelos que, no ano seguinte, Gianni Versace voltaria a reunir no desfile de apresentação da sua coleção outono/inverno.
O recurso ao preto-e-branco que marcou essa fotografia foi entretanto explicado, em 2008, no texto Peter Lindbergh, The Image Maker (disponível no site oficial do fotógrafo) por Charlotte Cotton, historiadora de arte e curadora no Los Angeles County Museum of Art, como essencial para o nascimento da supermodelo. “Cada vez que tentava fotografá-las a cores, como a sua beleza era próxima da perfeição, o efeito era o de um mau anúncio de maquilhagem. Com o preto e branco, é possível ver-se quem são. Atenua a interpretação comercial que a cor dá. O que é impressionante no preto-e-branco é como realmente ajuda a fazer passar uma ideia de realidade.”
Com o passar dos anos, a realidade tornar-se-ia uma obsessão para o fotógrafo, que por repetidas vezes tocou no assunto, em entrevistas. “Um fotógrafo de moda deveria contribuir para a definição da imagem da mulher ou do homem contemporâneos no seu tempo, para refletir uma certa realidade social ou humana”, afirmou na edição da Artforum de maio de 2016, em que se questionava: “Quão surrealista é a agenda comercial de hoje para retocar todos os sinais de vida e de experiência, para retocar cada pedaço de verdade de um rosto?” E já em 2014 havia dito, naquela que ficou como uma das suas mais citadas afirmações, que “deveria ser responsabilidade dos fotógrafos hoje libertar as mulheres, e, por fim, toda a gente, do terror da beleza e da perfeição”.
Também assim o viu a renomada crítica de moda Suzy Menkes, na edição de setembro de 2015 da Vogue uma das revistas com que mais colaborou ao longo da sua carreira como fotógrafo de moda. “A recusa a curvar-se perante a perfeição é a imagem de marca de Peter Lindbergh – a essência das imagens que olham para a alma de cada pessoa sem verniz, por mais familiares ou famosas que sejam.”
Nascido a 23 de novembro de 1944 em Leszno, uma cidade do oeste da Polónia então ocupada pela Alemanha nazi, Peter Lindbergh passou a sua infância em Duisburgo, na Alemanha, onde, ainda durante a adolescência começou a trabalhar como vitrinista para os armazéns Horten. A paisagem industrial dessa cidade, próxima da fronteira com a Holanda, onde passava as férias de verão com a família, viriam a influenciar de forma determinante o seu trabalho como fotógrafo.
No início da década de 1960 mudou-se para Lucerna, na Suíça, e depois para Berlim, para estudar Belas Artes. Seguindo as pisadas do seu grande ídolo – Vincent Van Gogh – acabaria por ir dar a Arles. Muito mais tarde, já fotógrafo renomado, numa entrevista que concedeu ao Independent, explicou porquê: “Preferi ir à procura das inspirações de Van Gogh, o meu ídolo, do que ficar a pintar os retratos e as paisagens que me mandavam nas escolas de arte.” De Arles seguiria para Espanha, depois Marrocos, numa grande viagem que fez ao longo de dois anos.
De volta a Alemanha, voltou também a estudar, mas arte abstrata, em Krefeld. Influenciado pelo artista norte-americano Joseph Kosuth (n. 1945) e pelo movimento da arte conceptual foi convidado, ainda antes de terminar o curso, para expor na Galerie Denise René. Era o ano de 1969. Às obras dessa sua primeira exposição regressou em 2014 o Museu Tinguely, em Basel.
Foi depois de, em 1971, voltar a mudar de cidade, dessa vez para Düsseldorf, que começou a interessar-se pela fotografia. Nessa área, começou como assistente do fotógrafo alemão Hans Lux, até em 1973 ter aberto o seu próprio estúdio. A partir daí, depressa o seu trabalho começou a ser reconhecido: trabalhando para a revista semanal alemã Stern, juntou-se a uma equipa de fotógrafos da qual faziam parte nomes como Helmut Newton e Hans Feurer.
Na viragem para a década de 1990, ajudou a dar forma a uma nova era no mundo da moda: a das supermodelos. O seu primeiro livro, 10 Women, que vendeu mais de 100 mil cópias, seria publicado ainda nessa década, em 1996. Paralelamente à fotografia, Lindbergh dirigiu ainda vários filmes e documentários. O primeiro foi Models, The Film, ainda em 1991, seguido de Inner Voices (1999), distinguido como Melhor Documentário no Fesitval de Cinema de Toronto. Nos anos seguintes viriam Pina Bausch, Der Fensterputzer (2001) e Everywhere at Once (2008), que, com narração de Jeanne Moreau, estreou em 2008 no Festival de Cinema de Cannes. Peter Lindbergh morreu na última terça-feira, aos 74 anos.