A líder do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, anunciou esta quarta-feira a retirada da sua proposta da lei de extradição. Uma proposta que despoletou meses de protestos e de violência na enclave chinês. O projeto-lei já tinha sido suspenso e declarado “morto” por Lam em junho, mas muitos manifestantes temiam que voltasse a estar outra vez em cima da mesa, caso desmobilizassem. Desde então, os protestos ganharam novas proporções. Hoje, são motivados por muito mais que uma lei de extradição. “Agora é tarde de mais”, escreveu no Twitter o ativista Joshua Wong, um dos principais rostos da oposição.
“A resposta de Carrie Lam chega após sete vidas sacrificadas, mais de 1200 manifestantes presos, quando muitos são maltratados em estações policiais”, continuou o ativista. Os manifestantes exigem que os protestos deixem de ser considerados motins – algo punível com até 10 anos de prisão –, a amnistia dos detidos, um inquérito independente à violência policial e sufrágio universal. Tudo com o pano de fundo das reivindicações por maior autonomia do enclave chinês – algo de que Pequim nem quer ouvir falar.
“Depois de mais de dois meses de instabilidade social é óbvio para muitos que este descontentamento vai muito além da lei”, reconheceu ontem Lam, num discurso para as televisões. Ainda assim, a chefe de Executivo recusou ceder às restantes exigências dos manifestantes. “Não importa o descontentamento que as pessoas tenham com o Governo ou a sociedade, a violência não é maneira de resolver problemas”, garantiu – sem menção aos inúmeros relatos e vídeos que mostram a crescente violência policial em Hong Kong.
Violência
Ainda no início desta semana, vídeos divulgados nas redes sociais mostraram a polícia de choque a atacar manifestantes numa estação de metro, espancando brutalmente pessoas caídas no chão. É difícil esquecer as imagens de agentes a disparar gás pimenta contra homens e mulheres encurralados contra as paredes das carruagens, que se tentavam proteger uns aos outros enquanto gritavam de dor.
Desde o último mês, muitos manifestantes usam vendas ensanguentadas, após uma mulher ter sido atingida num olho com um projétil disparado pela polícia.
Colina em chamas
Apesar das críticas, as concessões de Lam foram vistas com bons olhos por algumas pessoas, como a deputada pró-Pequim Regina Ip. “Não vai pacificar toda a gente, mas esperemos que clarifique as persistentes dúvidas nas mentes de alguns manifestantes pacíficos”, disse à BBC Chinese.
Já Claudia Mo, deputada da oposição, reforçou que as medidas do Executivo chegaram tarde demais. “Os danos estão feitos, as cicatrizes e as feridas ainda sangram em Hong Kong”, assegurou em conferência de imprensa, rematando: “Se ela [Carrie Lam] acha que pode usar uma mangueira de quintal para apagar um fogo numa colina, isso não é possível”.
A concessão da chefe de Executivo quanto à lei de extradição surge dias após a Reuters publicar um áudio seu, num evento privado, em que desabafou: “Se tivesse escolha, a primeira coisa que faria era demitir-me”. Algo visto como prova da pressão chinesa sobre a chefe de Executivo de Hong Kong. A especulação já persegue Lam desde antes de ser eleita por um comité eleitoral, composto maioritariamente por empresários pró-China. “Não sou um fantoche de Pequim”, defendeu-se em 2017, em entrevista à BBC, dez dias antes de tomar posse.
Depois da divulgação do áudio da Reuters, Lam negou alguma vez ter entregue ou discutido a possibilidade da sua demissão com Executivo chinês. “A escolha de não me demitir é a minha própria escolha”, garantiu. Mas as críticas não desapareceram, os manifestantes continuam na rua e não há solução à vista para o impasse.