Por estes dias multiplicam-se as entrevistas, os debates e todo o costumado folclore que uma campanha eleitoral exige. É mais ou menos por estas alturas que qualquer cidadão minimamente atento se diverte com os jogos florais que os políticos experimentam, os quais só são suplantados, porventura, pelas inacreditáveis demonstrações de elasticidade espinal que os mesmos conseguem.
A facilidade com que se defende uma coisa e o seu contrário é um tema digno dos maiores espantos e perplexidades.
É, pelo menos notável a recente inversão do discurso fluidíssimo de António Costa no que se refere às maiorias absolutas e ao recente pedido de um PS forte, para que não se caia num “impasse à espanhola”.
Depois de um início titubeante onde vociferou contra os perigos e os muitos inconvenientes das maiorias absolutas, com todos – incluindo Sócrates – a lembrá-lo da infidelidade dessas suas afirmações, Costa experimenta agora o seu exacto contrário.
Porventura fugindo ao seu conhecido síndrome do poucochinho, desta feita Costa não pede directamente a maioria absoluta com que sonha – ainda que diga mal – usa, antes, um muito eufemístico “PS forte” que evite o “impasse à espanhola”.
Ou seja a indesejável maioria absoluta, com a qual diz o mesmo que os Portugueses lidam mal, parece que, afinal, é a única hipótese de não se replicar em Portugal o problema que Costa entende que em Espanha existe, no que se refere à possibilidade de formação de um Governo.
Ora, tendo sido Costa – que aliás defendeu relativamente a Sócrates que deveria poder formar Governo caso não tivesse maioria absoluta mas fez o exacto contrário com Passos Coelho – o primeiro derrotado das eleições legislativas a erigir (sem que tal constasse do seu programa eleitoral) uma solução governativa parlamentar em Portugal, é, pelo menos exótico o alegado perigo que aqui encontra, em Portugal, referindo-se ao caso espanhol.
Depois dos quatro anos de geringonça que ninguém acreditou, nem sequer Costa, que durassem mais de seis meses, e dizendo Costa que o PS forte serve a continuação das mesmas exactas medidas, é notável a diabolização inerente e a ameaça velada, para mais quando vinda do aclamado rei dos consensos e príncipe da negociação política.
No entanto, é provável que tenha alguma razão! Não há uma segunda oportunidade para se causar uma boa primeira impressão, e a verdade é que não vai ser possível, com a mesma facilidade, por o BE e o PCP a aplicar medidas draconianas de redução do déficit orçamental, qual empedernido neoliberal, nem há novas reversões nas empresas públicas de transportes (pejadas de dívida e de operacionalidade) para satisfazer o braço armado do PCP.
O engodo dos orçamentos aprovados por um valor e depois desvirtuados pelas cativações e proibições de despesa, de que Centeno usou e abusou dando uma lição de política e cinismo já não convencem ninguém, nem podem enganar os parceiros, outra vez, à segunda só cai quem quer.
O dilema reside, pois, sobre quanto custará o proverbial prato de lentilhas de uma nova geringonça? Não é inocente o posicionamento da também ela adepta de verdades fluidas, Catarina Martins, que veio invocar a sua simpatia (não pela evidente linha trotskista que todos lhe conheciam) mas sim proclamando-se como arauta de programa social democrata. É muito evidente que o PSD não é um partido que aplique medidas sociais-democratas, mas admitir-se que o Bloco tem essa matriz já será um salto e tanto, e, aliás, seria curioso ter um comentário da UDP e do PSR a esta subtileza da coordenadora…
Note-se, aliás, que a Coordenadora do Bloco de Esquerda, nessa tal fluidez conceptual e memória selectiva, diz que não conhece famílias a quem tenham subido os impostos.
Todos os muitos indicadores que ciclicamente analisam este tema referem, sucessivamente, que Portugal aplica a maior, às vezes carga, às vezes incidência, fiscal de sempre (com o menor investimento em democracia) e isso, só por si, permitiria concluir que Catarina conhecerá famílias de menos … Aliás, o seu silêncio demonstra que a sua sensibilidade à promiscuidade familiar que grassa entre o Estado e alguns familiares do PS, também lhe passou ao lado.
No entanto e neste capítulo, o que ficou por apontar ao rei que vai nu, é que Catarina (qual neoliberal) aumentou e criou novos impostos indirectos que não existiam, e que equilibraram, com saldo negativo para os trabalhadores, as aparentes devoluções de rendimentos, sendo inclusivamente da sua bancada a criação de um adicional ao IMI, que não existia!
Temos pois que uma legislatura após o apregoado fim da austeridade só o BCE e um perigoso aumento da dívida pública, com a degradação acelerada dos serviços essenciais (não ou mal) prestados pelo Estado, mantêm viva esta perigosa ilusão.
Note-se, aliás, que no perigoso país do “impasse”, que Costa diz querer esconjurar de Portugal, a economia, já antes com Rajoy e agora com Sanchez meses a tentar acordar num Governo, cresce mais que em Portugal, onde a diferença actual é de 1,8 cá e 2,5 lá, mesmo com o tal impasse, ou porventura por causa dele.
Ora, quando olhamos para os partidos tradicionais da direita portuguesa em estado semi-catatónico e ouvimos Catarina Martins falar-nos de revisão constitucional e nacionalizações, se nos lembrarmos que Costa não teve pejo em abrir as portas da decisão aos antigos partidos do protesto, contra a EU, contra a NATO, já agora também contra a propriedade privada e contra o capital, o cenário muda de figura.
Quem perdeu (ou ganhou) algum tempo a ver o que o PCP diz sobre a tributação do trabalho e é dos cerca de metade dos Portugueses que, realmente, é tributado sobre o seu trabalho com o que o Estado alimenta as clientelas das esquerdas radicais e estatizantes, também deve temer, e muito, a reedição desta solução.
É fundamental perceber o que pensa Costa e que limites assume.
Em Outubro, existe o risco real do preço de uma nova geringonça ser, no melhor cenário, uma espécie de regresso ao Gonçalvismo, os eleitores que têm a perder deveriam estar atentos …
Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990