A democracia portuguesa está em crise. A desconfiança está profundamente enraizada na comunidade e corrói unidade do todo social.
Quantos portugueses acreditam que o sistema económico produz os melhores resultados para todos? Quantos cidadãos confiam que o sistema judicial olha para todos de igual forma? Quantos eleitores creem que o Governo representativo está verdadeiramente ao serviço do maior número?
Uma das consequências da erosão da confiança nas nossas instituições é o alheamento cívico, o adormecimento do exercício dos direitos individuais.
Cada vez mais pessoas se colocam à margem do processo de decisão.
De eleição para eleição, são menos os que votam.
São mais os que creem que o mundo se divide entre “nós”, o povo, e “eles”, os privilegiados.
Estas são as condições ideais de pressão e temperatura para a emergência de populismos e extremismos, por um lado, e para o exercício de um poder absoluto, por outro. Entre uma e outra coisa, há uma enorme maioria moderada e silenciosa.
Portugal em 2019 é isto. Temos os partidos da esquerda radical a valer quase 20% das intenções de voto – pobres daqueles que ainda acham que Portugal está a salvo dos populismos e dos extremismos. Temos um governo que, para além de carregar os portugueses com a maior carga fiscal de sempre, não hesita em legislar sobre todo e qualquer domínio da vida privada. E depois temos os cidadãos que vivem do seu trabalho mas que, por interferência sistemática de um poder absoluto, se vêm privados de realizar o seu projeto de felicidade.
A quebra de confiança, sobretudo nas instituições de representação política, é um dos principais obstáculos à mobilização do país.
O regresso das manchetes com os valores das subvenções vitalícias dos políticos é mais uma machadada na saúde da nossa democracia.
Os cidadãos não compreendem que haja 318 políticos a receber mais de 6 milhões de euros por ano em subvenções. Não compreendem. A não ser que lhes expliquem o que pode e deve ser explicado.
A primeira coisa que as pessoas têm de perceber é que a Democracia tem custos. E, garantidamente, os custos da Democracia são muitíssimo inferiores aos de outros regimes políticos conhecidos. Democracias low-cost normalmente têm custos elevados em termos de liberdades e direitos individuais.
Um regime democrático vibrante tem de ser capaz de mobilizar os cidadãos para a causa do serviço público. Tem de resgatar os melhores da sociedade civil. Isso faz-se com um debate político civilizado, com a preservação da ética republicana e também com remunerações em conformidade.
A segunda coisa que é preciso explicar aos cidadãos é que não devemos, aos olhos de hoje, avaliar uma lei que é de 1985, num contexto social e político muito diferente do atual. Hoje isso pode não ser evidente para a maioria, mas nesse tempo muitas pessoas abdicaram de carreiras profissionais e de regalias no setor público e privado com enormes custos pessoais. Fizeram-no para servir a causa pública. As subvenções fizeram-se para garantir a reposição de alguma justiça e a dignidade para aqueles que, a dada altura das suas vidas, se dedicaram ao país. Porém o país pode entender, como entendeu em 2005, que não se justifica a renovação desses privilégios aos titulares de cargos políticos não elegíveis para a subvenção.
A terceira ideia que é preciso assimilar é que cada caso é um caso. Há 318 políticos e ex-políticos a receber subvenções. Há justiça e equidade em todas elas? Não. E é ai que o sistema precisa de ser moralizado.
Como contribuinte, eu não compreendo que existam subvenções mensais que ultrapassam o salário do Presidente da República e do primeiro-ministro em exercício.
Como eleitor, considero amoral que haja ex-políticos a acumular subvenções com duas e três reformas de várias origens e proveniências (do Parlamento Europeu ao Banco de Portugal).
Como político no ativo, que não tem e não quer ter nunca uma subvenção, defendo que por razões de equidade, justiça e expectativa gerada, o Estado deve manter as subvenções em valores de razoabilidade alinhada com o estado geral do país.
A democracia tem custos. Devemos, enquanto comunidade, reconhecer os que serviram a política. Mas não podemos, nunca, perpetuar abusos e ser condescendentes com quem se serve da política.
Escreve à quarta-feira