Soares da Costa. Trabalhadores há dez meses sem receber pedem insolvência

Soares da Costa. Trabalhadores há dez meses sem receber pedem insolvência


Sindicato da construção diz que a única solução para a construtora é pedir a insolvência. Este e outros alertas foram revelados num documento entregue ontem ao Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.


Os trabalhadores da Soares da Costa têm dez meses de salário em atraso e o Processo Especial de Revitalização (PER) não está a ser cumprido desde outubro de 2018. As dívidas aos colaboradores ultrapassam os 60 milhões de euros entre indemnizações, salários e outros direitos, enquanto a dos credores ronda os 600 milhões de euros. Estes são alguns dos alertas feitos pelo Sindicato da Construção a que o i teve acesso num processo que deu ontem entrada no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.

“Atualmente a empresa conta com cerca de 1200 trabalhadores, em situação de inatividade, suspensão, rescisão e muito residualmente em atividade”, refere a estrutura sindical liderada por Albano Ribeiro, garantindo que “a forma como está a ser feita a legislação alusiva ao PER deve ser alterada porque penaliza os trabalhadores”. E dá como exemplo: “Um trabalhador que tenha dois subsídios de férias em atraso irá recebê-los diluídos no tempo em cinco, seis ou até 10 anos”.

Mas as críticas não ficam por aqui. De acordo com o processo a que o i teve acesso, o Sindicato da Construção diz também que, após o perdão da dívida, da homologação e do trânsito em julgado do PER, “a empresa que não cumprir com o que se propôs ao fim de dois dois meses deve passar para uma situação de insolvência”.

 

Fim de um império

O documento entregue à justiça recorda ainda a história da construtora, o seu crescimento e o impacto em termos de criação de postos de trabalho. O sindicato lembra que a Soares da Costa quando iniciou a sua atividade, em 1918, contava com 10 trabalhadores, mas foi crescendo até ultrapassar os quatro mil, em 1977, assim como a sua aposta no mercado internacional no início da década de 80. E passou a ter uma presença global em Portugal, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Venezuela, Macau e Brasil.

Nos últimos anos, penalizada pela crise que afetou o setor foi perdendo obras, influência e somando prejuízos. E com isso passou a atuar em três mercados estratégicos: Angola, Moçambique e Portugal, sendo que a sua representatividade em cada país encontra-se, respetivamente, distribuída em 78,5%, 15,5% e 6%.

O início da queda, de acordo com a estrutura sindical, ocorreu em 2015 fruto “de má gestão”, levando “à atual situação de a empresa ter ganho obras que depois foram-lhe retiradas”.

Alguns desses casos dizem respeito à requalificação da ponte sobre o Rio Guadiana, ETAR de Beja e o Hotel Monumental, no Porto. “Estas obras foram retiradas por incumprimento de contratos, começando os salários em atraso, uma situação que nunca tinha acontecido quando a empresa era administrada pelos fundadores e seus familiares”.

Ao i, apesar de reconhecer que o cenário de insolvência da construtora não é o desejável também admite que não vê outra solução para resolver este problema. “Os trabalhadores estão cansados de tantas mentiras da atual administração”.

Recorde-se que o PER foi aprovado pelos credores em dezembro de 2017 – com 79,5% de votos a favor e 16,1% contra – e é o segundo apresentado pela Soares da Costa. Este não faz distinção entre credores, prevê uma redução da dimensão do perdão de dívida face ao anterior: para a dívida não garantida a instituições de crédito e a fornecedores, na ordem dos 607 milhões de euros, a Soares da Costa obteve um perdão de 50%, enquanto aos trabalhadores (cujos créditos rondam os 50,2 milhões de euros) o pagamento terá de ser integral.

A construtora justificou, no documento entregue no tribunal a solicitar o PER, a crise financeira que atravessa desde 2011. “A situação económica difícil por que atravessa a Soares da Costa resulta, desde logo, dos atrasos no recebimento dos seus clientes (também eles afetados pela situação de crise instalada), da redução em Portugal de obras particulares e públicas (como consequência da referida crise), e do sucessivo adiamento do arranque de grandes obras de construção civil no mercado angolano”.

O mesmo apontou para a redução do preço do petróleo, com a consequente redução das divisas, o que “também gerou atrasos significativos nos recebimentos de clientes da Soares da Costa em Angola (setor privado e público), bem como, dificuldades nas operações financeiras para o exterior”.

Este foi o segundo plano de revitalização apresentado pela construtora. O primeiro foi chumbado pelo tribunal – apesar de ter sido aprovado pelos credores – por considerar que existia um tratamento diferenciado dos credores, beneficiando os que reclamavam créditos na moeda angolana.

 

Mais problemas do setor

Mas os problemas da construção não ficam por aqui. Albano Ribeiro mostra-se ainda preocupado com falta de mão-de-obra em Portugal – uma situação que, no entender do responsável, ganha maiores contornos quando o setor voltou a ganhar um novo fôlego, garantiu ao i.

De acordo com as contas do responsável, saem 100 trabalhadores da construção civil por dia do país, o que faz com que, neste momento, faltem cerca de 14 mil trabalhadores no setor. Isto significa, segundo o mesmo, que os que ainda continuam a trabalhar não serão suficientes para responder a necessidades de grandes obras, como o aeroporto do Montijo, um projeto que precisa de mais de 10 mil trabalhadores. Esta carência, no seu entender, “tenderá a agravar-se nos próximos meses”.

Os baixos salários praticados em Portugal são apontados como uma das principais razões para a emigração dos trabalhadores. “Muitas das empresas pagam apenas o salário mínimo nacional, e depois são confrontados com ordenados de 2000 ou 2500 euros noutros países.” Um desses casos é Toulouse, em França, que já absorve uma “fatia importante” dos trabalhadores portugueses, repetindo-se o mesmo cenário na Alemanha. “Só ficam em Portugal aqueles que estão deslocados da sua cidade, e nesse caso recebem ajudas de custo, ou que recebem horas extra porque conseguem receber cerca de 1200 ou 1300 euros por mês. Caso contrário, optam por ir à procura de melhores condições noutro país”.

Aliado a este problema está ainda um outro maior e que diz respeito à mão-de-obra ilegal – um caminho que, no seu entender, é “demasiado perigoso”, uma vez que está a abrir portas à precariedade e à clandestinidade. “Muitas das obras não estão a respeitar as questões de segurança de trabalho que estão vigentes na legislação. Não sei onde é que anda a Inspeção-Geral do Trabalho”, questiona ao i o dirigente.

E estes trabalhadores clandestinos, na sua grande maioria provenientes da Índia e do Brasil, já são responsáveis por 40% do trabalho realizado no setor. “Há angariadores de mão-de-obra ilegal que concorrem com as empresas idóneas, destruindo totalmente o mercado e não dando a esses trabalhadores as condições mínimas de segurança”.