1. António Costa conhece os custos de uma maioria absoluta malsucedida e por isso não a pede explicitamente. O líder do PS sabe também que se porventura conquistasse sozinho mais de metade dos 230 deputados, poderia ter na mesma um problema de governabilidade. Seria uma espécie de efeito perverso, em jeito de presente envenenado. É verdade que com um governo de maioria absoluta Costa e o PS teriam um trunfo político fortíssimo. Todavia, deixariam de ter a paz social relativamente grande de que foram usufruindo ao longo de quatro anos, por via do acordo com o Bloco e o PCP que resultou na geringonça. Perante uma maioria absoluta todas as outras forças, da direita à esquerda, dos sindicatos enquadrados aos inorgânicos, das classes profissionais mais relevantes para a sociedade aos interesses económicos, teriam como estratégia pressionar e atacar o Governo e o PS. O ganho principal seria para o aparelho do partido socialista que disporia ainda de maior capacidade de controlar os lugares de Estado do que aquela que, escandalosamente, já tem e usa.
Como se viu com Sócrates uma maioria absoluta socialista não é propriamente garantia de nada e muito menos de boa governação. Até com Cavaco Silva não foi ela que impediu que houvesse um movimento como o corte da ponte sobre o Tejo e uma vitória de Guterres. Sendo um jogador hábil, Costa, não hesitou há dias na TVI em afirmar que os portugueses não gostam de maiorias absolutas e, pessoalmente, assegurou não querer uma coligação governamental convencional, que por definição é um casamento com regras próprias, obrigando a compromissos e princípios de ética e de fidelidade. Por isso, tem admitido subliminarmente uma solução em que possa negociar pontualmente à direita e à esquerda, fazendo os acordos possíveis, com qualquer partido. Um quadro desses seria para ele um deleite, visto que adora negociar, entrar no leilão político e nas manobras de ilusionismo. É um papel em que se sente bem, onde deu provas e, além disso, numa solução de governo em que pudesse depender de apenas dois ou três deputados de outros partidos, contaria certamente com algum paternalismo do presidente Marcelo que ficaria entusiasmado com a sua própria e reforçada posição de mediador e árbitro, tanto mais que a seguir chegam eleições presidenciais.
O panorama que se vislumbra é problemático porquanto não se antevê um período de acalmia e de estabilidade, o que é tanto mais preocupante quanto é certo que agora são os próprios governantes, a começar por António Costa, que admitem virem lá tempos difíceis, tentando jogar com isso para pedir uma recondução à frente do governo, desviando o foco da degradação de condições de vida, do aumento brutal de impostos e da falência dos serviços do Estado que efetivamente se verificou em quatro anos.
2. O Bloco de Esquerda está, entretanto, a fazer um forcing para obter um resultado eleitoral que lhe permita entrar no governo e reclamar algumas pastas estratégicas para os seus temas fraturantes. Fixou a fasquia em 10%, mas pensa em mais ainda. Tentaria cá o que o Podemos falhou em Espanha. Catarina Martins passaria de uma espécie de ministra sombra a uma verdadeira ministra de Estado. Ainda há dias afirmou que as reformas sem penalização só para quem tenha no mínimo 40 anos de trabalho e 60 de idade. Quem tenha 64 anos de idade e 43 de trabalho leva com cortes abruptos, nomeadamente o fator de sustentabilidade de 14%. Muita parra e pouca uva.
3. A lógica partidária instala-se negativamente em muitas coisas. Viu-se ainda agora na questão da nomeação de Elisa Ferreira para comissária europeia. Então se é unânime que Carlos Moedas fez um trabalho de excelência porque razão o governo não propôs em primeiro lugar a sua manutenção?
4. Tolentino de Mendonça vai ser elevado à condição de cardeal pelo Papa Francisco, o que é absolutamente justo e gratificante para ele e o nosso país. Tornou-se o sexto príncipe da Igreja de nacionalidade portuguesa nomeado neste século, o que é um feito notável e certamente inédito para uma população relativamente pequena. Quando se analisa a atual intervenção da nossa Igreja, verifica-se, no entanto, que internamente a sua voz quase não se ouve a respeito dos grandes problemas da sociedade. Há uma retração discursiva que contrasta com a frontalidade que acontecia há uns anos quando os patriarcas de Lisboa eram Dom José Policarpo ou Dom António Ribeiro. Em contrapartida a obra social da nossa Igreja continua a ser absolutamente essencial, substituindo-se sistematicamente a um Estado incompetente ao nível da Segurança Social e que se foi degradando nos últimos anos.
Escreve à quarta-feira