O verão atípico vai-se escoando em modo amenidades, mas com repentes de calor e ventanias, e mesmo a inevitável praga dos incêndios tem-se revelado menos assanhada, e oxalá assim se mantenha. Pretextos para incursão no interior minhoto, com ronda por albufeiras. Assim, na estrada que liga Póvoa de Lanhoso a Cabeceiras de Basto, a dada altura, ainda em terras de Lanhoso, aparece o desvio para Carreira, indicada como uma das “aldeias da saudade” – intervenção no âmbito de um programa de desenvolvimento local financiado por fundos europeus – e a visita não desilude de todo: muitas das casas de pedra tradicionais foram ou estão em vias de recuperação da primitiva autenticidade; há alguns exemplares incaracterísticos, ou característicos de um gosto “importado”, o tipo “maison”, felizmente poucos e provavelmente anteriores ao citado programa. O ambiente é genuinamente bucólico: ruelas grosseiramente empedradas, quintais e muros emoldurados por latadas carregadinhas de cachos já pintados, hortaliças viçosas e flores garridas, vozes e cacarejos que se fazem ouvir a espaços, na distância, e o típico saudar de quem se nos cruza no caminho. Que maravilha!
Segue-se em direcção a Vieira do Minho, concelho vizinho, serrano, tomando a estrada que contorna parte da albufeira do Ermal, em Guilhofrei, na linha de água de um lado e do outro são matas de ripículas pontilhadas de árvores frondosas a sombrear o percurso; e nas margens da albufeira somam-se os banhistas e as praias fluviais. Embalados pela aragem que freme as cortinas verde-ton-sur-ton que nos vão desfilando diante dos olhos, e depois de uma boa “pancada” para almoço em Mosteiro – lamentavelmente só quem é da zona perceberá o trocadilho -, ainda em Vieira do Minho, vale a pena descer até à margem (esquerda) da albufeira da Caniçada e ir a Rio Caldo, já em Terras de Bouro. A descida até à estrada que ladeia a albufeira faz-se por entre bosques de folhosas – de onde a onde na companhia de esguios pinheiros bravos, a marcar presença – entrelaçadas no alto, apreciados túneis de sombra que se vão descaindo até à beira da água. Em Rio Caldo há centro náutico, há marina, há praias, esplanadas e gente aos molhos. Se os barcos de recreio atracados são mais que muitos, os que se passeiam albufeira acima e abaixo e as barulhentas motas de água não dão descanso. A paisagem envolvente é deslumbrante: recorta-se no horizonte a linha curva das montanhas violáceas enquanto os olhos pousam no azul fúlgido e (ainda) transparente das águas sulcadas; até quando? Oxalá as autoridades competentes não descurem a monitorização da qualidade da água e dos impactes ambientais adjacentes.
Impensadamente, nós os povos ditos civilizados, por oposição aos que, sobranceiramente, consideramos indígenas – eufemismo para primitivo -, damos à natureza tratos de polé e não ficamos à espera do troco. Porém, a mãe natureza é pródiga, mas não é insensata; a resposta pode tardar, mas não falha, e os exemplos estão aí debaixo da vista, ou não? Depois “aqui-d’el-rei!”, as alterações e os fenómenos climáticos extremos estão a matar o planeta; e nós vamos junto – é no dar que se recebe!
Gestora
Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990