O abandono de animais continua a ser uma questão preocupante em Portugal. Mas nem tudo é mau: se, segundo as associações de recolha, são detetados cada vez mais animais deixados à sua sorte no meio da rua, há também cada vez mais vontade de procurar um companheiro de quatro patas em abrigos e nos canis e gatis municipais.
Dados da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) fornecidos ao i mostram que, até ao passado dia 8 de agosto, tinham sido recolhidos 12 360 animais este ano em Portugal continental. Na região de Lisboa e Vale do Tejo foram detetados 4215 animais. Nos municípios da região Norte foram apanhados 3962 animais, e na região Centro 2137. No Algarve foram acolhidos 1189 animais e a zona do Alentejo foi aquela onde se registou um número mais baixo – 857.
Os números mostram que pouco mais de metade dos animais recolhidos este ano – mais precisamente, 6234 animais – encontraram uma família. Na região de Lisboa e Vale do Tejo foram adotados 2359 animais, e na região Norte 2157. Na zona Centro houve 806 adoções. Foram registadas ainda 577 na zona do Algarve e 335 na região do Alentejo.
“Há mais pessoas a adotar do que quando abrimos a nossa associação, em 2006. Há, sobretudo, mais adoção com qualidade. Já existem muitas pessoas que querem levar um cão velhote, que está no seu fim de vida, para ajudá-lo a morrer com dignidade. A mentalidade vai mudando, mas a mudança é tão lenta e há tantos animais abandonados que, às vezes, é desesperante”, diz ao i Ana Francisco, da associação Focinhos & Bigodes, em Lisboa.
Quanto ao número de abandonos, a DGAV explicou ao i que não é possível chegar a uma conclusão: “Os números divulgados pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) respeitam exclusivamente aos animais acolhidos em Centros de Recolha Oficial (CRO), sendo a recolha da competência das câmaras municipais. Entre os animais acolhidos estão animais vítimas de situações de maus-tratos e recolhas compulsivas por diversos motivos, além dos animais errantes, entre os quais se incluem os animais abandonados, pelo que não é possível determinar a evolução do número de animais abandonados”.
O i questionou tanto a DGAV como a Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) quanto à lotação dos CRO, mas não obteve uma resposta clara. “Os 132 CRO atualmente existentes são tutelados pela câmaras municipais e/ou comunidades intermunicipais, pelo que só estas entidades terão condições de se pronunciar sobre a lotação das suas instalações. No entanto, a informação que tem sido sistematicamente veiculada pelas diferentes entidades, entre as quais médicos veterinários, forças policiais, associações de proteção animal e presidentes de câmara, é que existe uma situação de sobrelotação dos CRO”, admite a DGAV. Os dois órgãos do Estado frisam que “o Governo disponibilizou um Programa de Concessão de Incentivos Financeiros para a Construção e a Modernização de CRO, com o objetivo de dotar as autarquias de maior capacidade e melhores condições para exercer as respetivas competências. Para este efeito, o Governo abriu, em 2018, um concurso que permitiu apoiar 17 candidaturas de municípios, suas associações ou agrupamentos, num valor total de 975 318,91 euros. Em 2019 foram selecionados 20 projetos para financiamento, no valor de 1 128 615,70 euros, tendo já sido assinados 18 desses contratos de construção”.
A esterilização é outro dado importante para travar os casos de abandono de animais. De acordo com os dados da DGAV fornecidos ao i, foram este ano esterilizados 7823 animais que se encontram nos CRO. Destes, 3916 encontram-se na região de Lisboa e Vale do Tejo, 1344 na região Norte, 953 nos municípios do Algarve, 811 na zona Centro e 799 no Alentejo.
O mesmo serviço, tutelado pelo Ministério da Agricultura, revelou ainda o número de animais eutanasiados. A DGAV faz questão de frisar que nos CRO não se realizam abates. “Os abates só ocorrem em matadouros e destinam-se a obter carne para consumo, pelo que o termo ‘abate’ só se aplica a animais de produção (ruminantes, suínos, aves)”, refere o órgão do Estado. “O sacrifício (eutanásia) de cães e gatos nos CRO apenas poderá ocorrer por razões devidamente enquadradas nos parágrafos 5.o e 6.o do artigo 3.o da Lei 27/2016, aplicando-se exclusivamente a animais que se encontrem em grande sofrimento devido a doenças incuráveis, em fase terminal, sem qualquer outra possibilidade de alívio do sofrimento”, acrescenta.
Posto isto, segundo a DGAV, até 8 de agosto tinham sido eutanasiados 1054 animais: 391 nos municípios do Norte, 323 na zona Centro, 261 em Lisboa e Vale do Tejo, 47 no Algarve e 32 no Alentejo.
Mas esta é uma questão que gera algumas discussões. Ana Francisco diz ao i que a lei do abate é “muito útil. Era necessário avançar com esta lei”. Por outro lado, Ema Mock, da associação Entregatos, não está convencida de que esta seja a solução: “Alguns canis não têm condições para certos animais. Mantê-los vivos é pior que abatê-los. Que obras foram feitas a pensar nestas questões?”, questiona.