É a grande fábula dos tempos modernos e, 17 anos depois de a trilogia ter sido encerrada, vem aí um novo capítulo. Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss irão regressar aos papéis de Neo e Trinity, e se isso garante que esta sequela retoma o fio narrativo, o grande segredo é saber quais as novas reviravoltas, agora que a responsabilidade pela escrita do guião irá trocar de mãos. A criação dos irmãos Wachowski – que entretanto mudaram de sexo –, The Matrix, parece ter pressentido a sensação de insegurança e paranoia à medida que as máquinas instauravam um novo ritmo de vida, e, muito depressa, a realidade parece ter entrado em convulsão, desafiando as nossas noções a ponto de a verdade ser hoje o verdadeiro campo de batalha entre as diferentes fações e sensibilidades num mundo cada vez mais dividido.
Lana Wachowski regressa à realização, desta vez sem a irmã, Lilly, que foi quem assinou os guiões da trilogia. A ausência não se fica a dever a nenhum conflito criativo ou a um desentendimento entre elas, mas ao facto de Lilly estar ocupada com a série Work in Progress, protagonizada por uma transexual. Por sua vez, Lana contará com a colaboração do escritor Aleksandar Hemon e do cineasta David Mitchell para escrever o guião do novo capítulo, o qual deverá entrar em fase de produção no início de 2020.
Não deixa de ser irónico pensar que, se Morpheus hoje oferecesse aos grandes estúdios de Hollywood os mesmos dois comprimidos que ofereceu a Neo, provavelmente aqueles teriam feito a escolha oposta à de Neo. “Se escolheres o azul, a história acaba, acordas na tua cama e acreditas no que te apetecer. Escolhes o vermelho… e eu mostro-te o quão funda é a toca do coelho”, dizia o personagem interpretado por Laurence Fishburne. Logo após o anúncio gerou-se alguma inquietação entre os fãs, intrigados com o motivo por que o ator não terá sido convidado para uma vez mais encarnar Morpheus. De acordo com o repórter Justin Kroll, da Variety, a Warner Bros. parece estar à procura de um jovem ator para o papel no novo filme, o que gerou suspeitas de uma possível mudança na linha do tempo. Independentemente das mudanças ou twists que venham a produzir-se, é difícil imaginar que, nos nossos dias, a Warner Bros. voltasse a arriscar num tão audaz projeto de ficção científica como foi este que, com os três filmes – Matrix (1999), Matrix Reloaded (2002) e Matrix Revolutions (2003) –, acabou por render ao estúdio 1,6 mil milhões de dólares. E é preciso notar que se o primeiro se tornou um indiscutível filme de culto, o segundo e, principalmente, o terceiro continuam a dividir os fãs.
A regra, hoje, é relançar antigos sucessos, adaptar e traduzir com os meios atuais para as novas audiências as fitas que garantem o menor risco possível, e não resta assim grande margem para criar de raiz novos universos ficcionais. E tem graça que o presidente da Warner Bros, Toby Emmerich, não poupando elogios a Lana, traçou um perfil em contraste com os atuais executivos que podem dar luz verde ou enterrar uma produção. “Lana é uma verdadeira visionária, uma cineasta criativa, singular e original”, disse Emmerich, e concluiu: “Estamos encantados que tenha aceitado escrever, realizar e produzir este novo capítulo do universo The Matrix”.