“O Governo está a destruir o direito à greve. Estamos perante a violação de direitos básicos da lei laboral portuguesa. Esta fixação dos serviços mínimos, na dimensão em que foi feita, trata-se da reincidência de uma postura do Governo de aniquilar o que é do direito à greve”. A garantia é dada ao i pelo advogado António Garcia Pereira, reagindo assim à medida anunciada pelo Executivo de António Costa ao decretar serviços mínimos para a greve dos tripulantes da Ryanair, que decorre entre hoje e o próximo domingo, 25 de agosto.
O especialista em direito do trabalho garantiu que esta paralisação “é mais do que justificada face aos objetivos e razões que a determinam”, esclarecendo que a referida “definição dos serviços mínimos” afigura-se “manifestamente excessiva”.
Garcia Pereira recordou que a atividade da companhia aérea irlandesa não necessita de ter serviços mínimos, pois não responde “aos interesses constitucionais de valor hierárquico superior, como os referentes à vida ou à saúde”, apontou o advogado acrescentando que “obviamente, a lógica dos serviços mínimos não é a da manutenção da normalidade do funcionamento do quer que seja”.
O antigo líder do MRPP acusou também o Governo de “tomar o lado dos patrões” não só nesta greve, mas também na paralisação dos motoristas. “Nos casos de conflitos em empresas privadas, nos quais compete ao Governo a decisão dos serviços mínimos, este está a tomar a posição pró-paternal de definir serviços mínimos que inutilizem completamente o direito à greve, tomando posição no conflito a favor dos patrões”, destacou.
O Executivo explicou, esta segunda-feira, que a decisão foi tomada face à “duração relativamente grande da greve [cinco dias]”, à “estação do ano abrangida – verão – em que se verifica um crescimento considerável da procura do transporte aéreo, que os cidadãos e cidadãs cada vez consideram mais imprescindível” e também para “evitar o aglomerado de passageiros nos aeroportos nacionais durante esta época, dado que tal pode potenciar riscos de segurança de pessoas e bens”.
Os serviços mínimos incluem um voo diário de ida e volta entre Lisboa e Paris; Lisboa e Berlim; Porto e Colónia; Lisboa e Londres; Lisboa e Ponta Delgada e uma ligação de ida e volta entre Lisboa e a Ilha Terceira, durante os dias da greve.
Ainda sobre a greve na Ryanair, Garcia Pereira disse que concorda “inteiramente” com a reação do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC). “Este despacho [referente aos serviços mínimos decretados pelo Governo] contraria tudo o que consideramos ser as possíveis definições de serviços mínimos e condiciona o direito à greve dos tripulantes da Ryanair”, pode ler-se num comunicado do sindicato.
PCP fala em ilegalidade
Durante a tarde de ontem, o PCP também se manifestou contra o despacho do Governo e considera que nao só é “uma afronta à lei da greve”, como também “altera os critérios que havia adotado para anteriores greves na Ryanair”, disse em comunicado.
De acordo com os comunistas, “a única razão constitucional e legal para decretar serviços mínimos é estarem em causa ‘necessidades sociais impreteríveis’” e que esse “não é o caso”. O PCP refere ainda que a companhia aérea em causa “tornou público que uma delegação do Governo português” vai hoje a Dublin pedir para que a “Ryanair não encerre a sua base de Faro”.
Para a estrutura partidária, “a escolha do primeiro dia de greve para a realização desta reunião é claramente política e alia a postura subserviente do Governo português perante as multinacionais à colaboração com a sua propaganda contra a justa luta dos trabalhadores”. Sob estas premissas os comunistas pedem assim esclarecimentos ao executivo e ao Ministério da Economia.
"Tudo começou com os enfermeiros"
Garcia Pereira deixou ainda o alerta para um padrão na forma como o Governo tem lidado com as últimas greves. “Primeiro prepara a opinião pública através de um processo de dramatização completa da situação. Depois, avança para processos de descredibilização e de deslegitimação dos dirigentes ou das figuras públicas mais conhecidas nas greves. De seguida começa a apontar alegadas situações de incumprimento dos serviços mínimos, para justificar o decretamento da requisição civil. Ou então, fixa uma definição de serviços mínimos de tal maneira ampla que, pura e simplesmente, deixa de haver greve”, afirmou o especialista em direito laboral.
Para Garcia Pereira se “este tipo de práticas continuarem a passar impunes acabou o direito à greve”, uma vez que entende, que “qualquer Governo põe termo a uma greve seja ela qual for”.
O responsável efendeu também que estas práticas começaram “já na altura da greve dos enfermeiros”, em fevereiro deste ano. “Como se verificou depois, já na altura da greve dos enfermeiros, dava para compreender o que ia acontecer na próxima greve que não agradasse ao Governo”, explicou referindo-se às duas greves que se seguiram dos motoristas de matérias perigosas, em abril e agosto.
“Considero que através, quer da ameaça da requisição civil preventiva – que é a meu ver uma coisa completamente inadmissível face à lei e à Constituição – quer através de serviços mínimos que são serviços máximos, quer através da mobilização de meios das forças policiais e militares para procurar substituir trabalhadores grevistas, na minha ótica estamos perante a violação de preceitos e princípios não só legais como constitucionais inerentes ao direito à greve.
Requisição cilvil já foi usada com a TAP
Caso os tripulantes da Ryanair não cumprirem os serviços mínimos decretados pelo Governo poderá haver outra requisição civil? Segundo a legislação portuguesa, esta figura só pode ser usada para fazer face a situações de emergência, “excecionalmente graves” ou quando está em causa o cumprimento de serviços de interesse público essenciais, incluindo empresas privadas que explorem serviços de transporte aéreo.
No passado, a requisição civil foi já usada diversas vezes para travar greves, por exemplo, da TAP.
Em 1977, Mário Soares decretou para impedir uma greve de pilotos. Em 1977, 20 anos depois, o Governo de António Guterres decidiu também avançar com esta medida para impedir uma greve dos pilotos. Em 2014, o Governo de Passos Coelho tomou a mesma decisão para impedir outra greve dos pilotos.