Tem sido uma das imagens dos efeitos da requisição civil parcial de motoristas de matérias perigosas: a inclusão das Forças Armadas a conduzir camiões -cisterna com militares. Alguns motoristas do setor, em greve, até lhes dedicaram tarjas em campo aberto a agradecer o cumprimento de serviço extra após as oito laborais. Ora, as associações socioprofissionais de militares estão incomodadas com as condições em que os militares estão a exercer o seu papel, muitas vezes sob pressão, ou fora da sua missão original das Forças Armadas.
As três associações socioprofissionais de militares não falam a uma só voz, mas têm um denominador comum: a defesa do setor. Primeiro, António Mota, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas, começa por dizer ao i que a AOFA “não vai aceitar qualquer tipo de penalização ou punição de um militar por alguma eventual falha no serviço de distribuição de combustíveis. Na realidade os militares não são propriamente condutores de camiões de matérias perigosas ao serviço seja de quem for”. O esclarecimento impunha-se depois de algumas horas de dúvida sobre eventuais trocas de combustíveis nas descargas em três locais do país, alegadamente, feitas por militares. A informação foi categoricamente desmentida pelo Ministério da Defesa Nacional.
Antes, António Mota começou por dizer, tal como a Associação Nacional de Sargentos e a Associação de Praças, que os militares não se pronunciam sobre greves ou requisições civis, decisões de âmbito estritamente político, social ou económico.
Porém, para António Mota existe uma preocupação com a missão original das Forças Armadas e a generalização do uso de militares em missões fora do seu âmbito de busca e salvamento, guerra e paz. “As pessoas habituaram-se a que os militares são profissionais de tudo e mais alguma. Não. Os militares são profissionais da defesa militar da República e de todas as outras funções que temos de apoio à sociedade civil, em circunstâncias que não nos parece ser o caso desta”, acrescenta António Mota, deixando dúvidas sobre o alcance da inclusão de militares na missão para cumprir a requisição civil.
“Temos dúvidas sobre a aplicabilidade dos militares nesta situação, porque respeitando escrupulosamente o que está na Constituição, os militares poderiam ter sido envolvidos caso tivesse sido decretado o Estado de Guerra ou Estado de sítio. Não foi. Foi decretado um estado de emergência energética”.
A AOFA acrescenta exemplos para evitar precedentes. “Vamos imaginar uma greve de médicos. Ora, as Forças Armadas têm centenas de médicos. Fará sentido os médicos militares avançarem para os hospitais civis para substituir esse médicos que estão em greve? A nossa resposta é taxativa. Não, não faz sentido”, afirma António Mota para demonstrar o seu desconforto com a situação. Por contraponto, sublinha o que considera ser a verdadeira missão de um militar, neste caso de um médico e militar: “Havendo cheias, catástrofes, ninguém duvide que os médicos militares serão os primeiros a chegar ao terreno”.
Do lado da Associação Nacional de Sargentos, Lima Coelho, prefere não seguir o raciocínio de António Mota, mas denuncia as informações que tem recebido:”Nem todos os [militares] que estão a ser nomeados detém essa formação”, leia-se a de motoristas de pesados para conduzir camiões com materiais perigosos. Questionado sobre se tem conhecimento de algum militar sem formação a conduzir um camião-cisterna, Lima Coelho não sabe, mas desabafa: “Espero que não”.
De seguida sublinha que “começa a ser difícil suprir todas as necessidades” atribuídas às Forças Armadas, porque existem militares a serem mobilizados para a gestão da crise dos combustíveis, além do dispositivo predefinido para o combate a incêndios e ajuda a populações.
Por sua vez, Luís Reis, da Associação de Praças, deixa um alerta: “Estamos preocupados quando há gente demasiada nova e não tem know how para a missão que está a executar”.
A maioria dos condutores militares são praças, têm formação, mas “o cenário da formação é uma coisa, outro é o da vivência”, sintetiza, alertando ainda que alguns militares estão sob forte pressão mediática. A maioria dos condutores são do Exército, mas também foram chamados elementos da Marinha. A diferença é que na Marinha os militares destacados estão nos quadros e no Exército estão “em regime de contrato”, concluiu Luís Reis.
Confrontado com estas preocupações e críticas, uma fonte da tutela diz ao i que a requisição civil “abrange a realização de operações de carga e descarga de veículos-cisterna de combustíveis líquidos, gás de petróleo liquefeito (GPL) e gás natural, por parte dos militares que possuam o conhecimento das prescrições da regulamentação aplicável ao transporte de mercadorias perigosas”. Mais, o Governo assegura que os militares envolvidos nestas intervenções “possuem o conhecimento das prescrições da regulamentação aplicável ao transporte de mercadorias perigosas e tiveram a formação necessária, específica para proceder a estas tarefas”. Por fim, a legislação ( decreto-lei 637/74 na versão atual) prevê a intervenção das Forças Armadas no processo de requisição civil”, com caráter progressivo em várias modalidades, ou seja, “na utilização de pessoal militar para substituir, parcial ou totalmente, o pessoal civil”.
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