O preço a pagar pela construção das cidades do futuro


A sociedade caminha para formas mais intensas e complexas de consumos materiais com exigências energéticas crescentes.


A construção das cidades do futuro – vulgo cidades inteligentes – exigirá um nível de sofisticação tecnológica considerável e os materiais que as irão compor não podem ser apenas aqueles que tradicionalmente têm vindo a ser usados (cimento, aço, vidro, pedra, etc.). Cidades apetrechadas com mecanismos robóticos, sensores, painéis solares, estruturas e superfícies dinâmicas, ecrãs, redes sem fios, impressões 3D e muitas outras inovações tecnológicas exigirão igualmente ser constituídas por “materiais inteligentes”, ou seja, materiais com as propriedades físicas adequadas para servir as necessidades de uma civilização tecnológica: resistência, condutividade elétrica, leveza, compactidade, etc. Se as cidades do passado foram construídas com materiais autóctones e abundantes, as cidades do futuro exigirão materiais exóticos, raros, localizados em locais remotos, mas destinados a uma utilização maciça e generalizada: os plásticos e os metais necessários para construir os milhões de computadores e sensores que irão gerir as cidades inteligentes serão os mesmos de uma ponta a outra do globo e, como tal, uma fonte de cobiça generalizada. O Instituto de Metais do Japão, por exemplo, adverte que a procura de metais raros como cobalto, tungsténio e lítio irá aumentar cinco vezes até 2050 e ultrapassará as reservas atuais previstas para muitos deles. Apesar deste cenário de intensa procura e escassez de oferta, prevalece a ideia que a progressiva digitalização e suposta desmaterialização da sociedade contemporânea conduzirá à diminuição do consumo de matérias-primas. Nada poderia estar mais longe da realidade. A sociedade caminha, sim, para formas mais intensas e complexas de consumos materiais com exigências energéticas crescentes. Veja-se o exemplo da sílica: ainda que este material abunde na crosta terrestre, a sua transformação em silicone para semicondutores (utilizado em componentes eletrónicos microscópicos) exige um consumo energético que é 200 vezes (!) maior do que aquele despendido para transformar madeira em papel. Assim, ainda que a “espacialidade” da civilização material esteja a diminuir (as coisas ocupam menos espaço), o preço a pagar por essa miniaturização e complexidade traduz-se em maiores consumos energéticos e, de forma contraintuitiva, a sociedade da desmaterialização continuará a exigir materiais em grande quantidade e diversidade. Da inevitável obsolescência ou perecimento desse crescente número de materiais resultará igualmente o aumento desmesurado de lixo e desperdício – um assunto de primordial importância com o qual terão de se confrontar as cidades no futuro e que hoje é escandalosamente ignorado. A quantidade de lixo produzido continua a aumentar e, tal como confirma o Banco Mundial, “quanto maior o nível remuneratório e a taxa de urbanização, maior a quantidade de resíduos sólidos produzidos”. Os atuais níveis globais de geração de resíduos sólidos municipais são de aproximadamente 1,3 mil milhões de toneladas por ano e devem aumentar para aproximadamente 2,2 mil milhões de toneladas por ano até 2025. Os inúmeros fãs da luta contra as alterações climáticas e a descarbonização são exímios a defender (e bem) os efeitos nefastos dos combustíveis fósseis e da mobilidade convencional, mas ignoram por completo todos os efeitos nefastos do aumento global e material da expansão urbana. É caso para dizer que a militância só se justifica enquanto não colocar em causa o estilo de vida cosmopolita dos militantes.

 

Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental

Escreve quinzenalmente