Leio e ouço com frequência comentadores políticos a fazerem os mais rasgados elogios à habilidade política do primeiro-ministro, ainda que, quase sempre, elogios a um tipo de habilidade que pessoalmente não gostaria que me fosse atribuída. Trata-se da habilidade das meias verdades, quando não da mentira pura e dura, a habilidade de atacar ou reduzir a nada as boas ideias dos adversários políticos, a esperteza de usar argumentos contraditórios sempre que considera ser isso vantajoso para o seu partido em cada circunstância e, pior de tudo, comprometer o interesse nacional sempre que considera poder daí retirar vantagens partidárias. Vejamos alguns exemplos das habilidades do primeiro-ministro:
1 – O primeiro exemplo, que não é o mais importante, é recente. Trata-se de gastar dinheiro que faz falta na saúde e nos transportes para perguntar aos funcionários públicos se estão contentes com a reposição dos ordenados cortados por via das políticas desastrosas do PS de José Sócrates. Será esta habilidade, a de obter votos pela via indecorosa de uma sondagem inútil e pouco recomendável, útil ao país? O facto de o ministro das Finanças ter tido o bom senso de mandar parar a dita sondagem como um erro não será um exemplo de decência política, a decência política que faltou à habilidade do primeiro-ministro?
2 – Um segundo exemplo reside na pergunta se é habilidade política fugir para férias no meio dos fogos que mataram mais de 200 portugueses e destruíram o património nacional e a vida económica de milhares de famílias. Ou se devem os portugueses considerar como habilidade política o primeiro-ministro conviver com a corrupção, ou negar a sua existência, ou atirar para a justiça o que é do campo da política, nomeadamente quando os corruptos são do seu próprio partido.
3 – Como terceiro exemplo, recordo que, durante esta legislatura, o primeiro-ministro considerou a construção de uma via férrea de alta velocidade como um “tabu”, para agora, próximo das eleições legislativas, reduzir a proibição de tratar o assunto para considerar que se trata apenas de um “tema tóxico”. Um tema tóxico para quem, para a Medway? Será, assim, muita inteligência política transformar um dos mais importantes projetos da União Europeia, destinado a reduzir os custos do transporte de mercadorias, combater a poluição de dezenas de milhares de camiões e de aviões em toda a Europa e evitar milhares de mortos e o congestionamento das estradas? Será esta uma habilidade do primeiro-ministro digna de elogio? Ou porque será que não usa a sua habilidade para convencer Bruxelas a manter os financiamentos destinados ao transporte ferroviário, financiamentos que perdemos – vários milhares de milhões de euros – devido à crise financeira e à incúria dos Governos, financiamento usado pela Espanha e pelos países da antiga Cortina de Ferro?
4 – O quarto exemplo destina-se a recordar, ainda relativamente ao projeto ferroviário europeu em curso, o qual passa por tornar as vias férreas europeias interoperáveis entre todos os países, que o Governo de António Costa tenha decidido boicotar esse projeto através da manutenção em Portugal da bitola ibérica, com o argumento de que, através dessa habilidade, pode evitar a concorrência internacional. Será uma habilidade aceitável o primeiro-ministro isolar Portugal e a economia portuguesa do resto da Europa?
5 – O quinto exemplo é para recordar que, ainda sobre o mesmo tema, o ministro Pedro Nuno Santos anunciou a necessidade de termos, entre Lisboa e o Porto, um comboio com a velocidade de 250 a 300 quilómetros por hora, um ato de puro bom senso e de inteligência política, mas contraditório com a habilidade dos anúncios do “tabu” do primeiro-ministro. Será então uma habilidade aceitável de António Costa desconhecer as boas ideias do seu ministro, comprometendo no processo o interesse nacional ? Ou devemos elogiar a habilidade de tentar queimar em lume brando o ministro Pedro Nuno Santos dando-lhe as tarefas mais difíceis da governação, ao mesmo tempo que protege a incapacidade dos seus delfins, Pedro Marques e Fernando Medina?
6 – O sexto exemplo dos prejuízos provocados ao país pelas diversas habilidades de António Costa reside no lançamento pelo Governo de medidas avulsas desligadas de coerência estratégica e de futuro, com o mero objetivo de ganhar votos e iludir as verdadeiras necessidades do país, por exemplo nos transportes, mas também na saúde ou na economia. Será que é uma habilidade recomendável reduzir o custos dos transportes públicos em Lisboa e Porto e deixar, ao mesmo tempo, que esses transportes se degradem ou escasseiem? Ou será boa a habilidade de reduzir os custos das propinas no ensino universitário, ou a de criar escolas especiais para os alunos sem aproveitamento escolar, ao mesmo tempo que nada faz para criar creches e escolas do pré-escolar de qualidade, com alimentação e transporte, que é a única medida que pode verdadeiramente combater a falta de aproveitamento?
7 – O último exemplo – não tenho espaço para mais – trata a habilidade do primeiro-ministro de nunca fazer comparações entre os níveis de progresso económico e social entre os diversos países da União Europeia e só usar os dados que são favoráveis a Portugal, infelizmente raros, iludindo com isso os portugueses. Ou será uma habilidade recomendável do primeiro-ministro elogiar os empresários sempre que visita empresas, ao mesmo tempo que o seu Governo ataca a atividade privada, seja através de leis limitadoras da liberdade empresarial, seja na saúde, seja através de cada vez mais impostos ou de ameaças de ir buscar o dinheiro onde ele está? Ou, já agora, da instabilidade fiscal?
Em resumo, tenho receio de que os elogios às habilidades políticas do primeiro-ministro sejam o resultado de uma certa doença da sociedade portuguesa de conviver e admirar a esperteza dos aparentes sucessos de curto prazo, verdadeiros ou falsos, bons ou maus, pouco importa. Trata-se do mesmo fenómeno que manteve Ricardo Salgado durante muitos anos como dono disto tudo e José Sócrates como um dos mais amados primeiros-ministros de Portugal. Infelizmente, esta forma acrítica de olhar só o curto prazo e de aceitar facilmente os abraços dos diversos poderes que nos rodeiam é uma das razões por que não vivemos numa verdadeira democracia de exigência e porque estamos a atrasar-nos em relação aos outros povos.
Empresário
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”