Leopardos à parte,  o cinema português  é ouro em Locarno

Leopardos à parte, o cinema português é ouro em Locarno


Pedro Costa, João Nicolau e Basil da Cunha competem pelo Leopardo de Ouro no 72.º Festival de Cinema de Locarno que, com direção renovada, arranca hoje com mais cinema em português do que alguma vez na competição internacional.


“Vitalina Varela, 55 anos, cabo-verdiana, chega a Portugal três dias depois do funeral do marido. Há mais de 25 anos que Vitalina esperava o seu bilhete de avião.” Só esta sinopse basta para se adivinhar ao que vai Pedro Costa neste seu regresso a Locarno, depois de Cavalo Dinheiro, a sua última longa-metragem, que há cinco anos recebeu o prémio de melhor realização no festival helvético.

Mas logo depois vêm “os factos”, citando a página que o site da Optec, a produtora, dedica à nova obra do mais aclamado cineasta português contemporâneo: “Vitalina Varela passou toda a sua vida a trabalhar a terra nas montanhas da ilha de Santiago, em Cabo Verde. Foi a mais nova de oito irmãos e irmãs e casou-se com o seu primeiro amor, Joaquim, um rapaz da mesma aldeia, Figueira das Naus […]. Joaquim deixou o país em 1977, com a promessa de trabalhar como pedreiro […] Escreve uma ou duas cartas a Vitalina e telefona-lhe prometendo um bilhete de avião para se juntar a ele em Portugal.” O título, Vitalina Varela, como se não pudesse haver outro.

Vitalina é a mulher (e personagem) que havia já aparecido em Cavalo Dinheiro, pouco depois da sua chegada a Lisboa. Prima de Ventura, imigrante cabo-verdiano que Pedro Costa vem acompanhando desde Ossos (1997). Mas a Locarno Pedro Costa não vai sozinho na representação do cinema português.

Edições houve em que a produção nacional se fez representar em maior número no festival suíço, um dos quatro mais relevantes a nível europeu, que hoje, com Magari, de Ginevra Elkann, como filme de abertura, arranca para a sua 72.ª edição, a primeira sob a direção de Lili Hinstin, depois da saída de Carlo Chatrian para assumir a direção já da próxima Berlinale. Mas nenhuma com três portugueses em competição pelo Leopardo de Ouro: além de Pedro Costa, também João Nicolau e o lusodescendente Basil da Cunha levam os seus mais recentes filmes à mais nobre secção de Locarno.

Mas vamos por partes. É à cabeça dos grandes regressos que o texto de apresentação desta edição coloca o nome de Pedro Costa. “Uma vez mais, o Festival de Cinema de Locarno alternará nomes conhecidos do cinema contemporâneo como Koji Fukada, Ulrich Köhler, Henner Winckler e Rabah Ameur-Zaïmeche, com os de cineastas que têm sido enaltecidos por cinéfilos internacionais, como João Nicolau, Damien Manivel, Eloy Enciso Rúnar Rúnarsson, Yosep Anggi Noen e Park Jung-bum.”

A estes, junta-se um bom punhado de “estreantes”. Caso de Basil da Cunha, realizador lusodescentente que, depois de Até Ver a Luz (Cannes, 2013), estreia agora em Locarno a sua segunda longa-metragem: O Fim do Mundo. Uma produção suíça rodada na Amadora, onde vem trabalhando há vários anos, com elenco português e produção executiva da Terratreme, para a história de um rapaz que, depois de ter passado oito anos numa casa de correção, regressa à Reboleira, onde nem todos ficarão felizes.

Também na competição internacional, da qual sairá o vencedor do Leopardo de Ouro, estreará, de João Nicolau, Technoboss. A sua terceira longa-metragem, que tem como protagonista um surpreendente Miguel Lobo Antunes, ao lado de Luísa Cruz. A história é a de um sexagenário divorciado, à espera da reforma das suas funções como diretor comercial de uma empresa de sistemas integrados de controlo de circulação. À espera e sentado – “a maior parte das vezes ao volante e a cantar sobre o que lhe vai passando à frente.” Uma produção da O Som e a Fúria, que contou com Mariana Ricardo como coargumentista.

E a representação portuguesa não se ficará pela competição internacional, que, dois anos depois de de Pedro Costa, premiou, em 2016, João Pedro Rodrigues com a melhor realização por O Ornitólogo. Fora de concurso, estreia ainda Prazer, Camaradas!, de José Filipe Costa. Um documentário com produção da Uma Pedra no Sapato em que o realizador recua ao pós-25 de Abril, a partir “de um conjunto de relatos orais, textos literários e diários sobre a experiência de estrangeiros e portugueses revolucionários que vieram para o centro de Portugal apoiar as cooperativas nos trabalhos agrícolas, nas clínicas, creches e na alfabetização”.

Na paralela Cineastas do Presente, aquela em que há dois anos Pedro Cabeleira estreava Verão Danado, tem a sua primeira exibição L’Ile aux oiseaux, da dupla luso-helvética Maya Kosa e Sérgio da Costa; e ainda, na competição Pardino d’Oro, Vulcão: O Que Sonha Um Lago?, da romena Diana Vidrascu, com coprodução portuguesa. O cinema português estará também presente no programa Match Me!, que reúne um conjunto de produtores emergentes do Brasil, Estónia, Israel, Itália, Letónia, México, Polónia e, através de uma parceria com o Instituto do Cinema e do Audiovisual, Portugal, que a Locarno leva Joana Domingues (Caracol Protagonista), Vasco Esteves (Fado Filmes) e Pedro Fernandes Duarte (Primeira Idade).