A greve dos motoristas tem dado azo a interpretações deveras curiosas. A mais extraordinária saiu da boca do Presidente, que disse qualquer coisa como isto: “Uma greve contra os patrões e o Estado, entende-se. Agora, uma greve contra os patrões, o Estado e parte da população já não é bem a mesma coisa”. Que me lembre, nunca vi nenhuma greve que agradasse à população, vulgo povo. Quando os médicos e os enfermeiros decidem parar, quantas operações e consultas são adiadas? Quantos quilómetros não fazem em vão os doentes, prejudicando a sua vida economicamente, além de não resolverem o seu problema de saúde?
Se os professores fazem greve aos exames, como ficam as famílias? Se os juízes não aparecem em tribunal, como fica a vida das pessoas e empresas que precisam de resolver os seus problemas?
Resumindo: não há nenhuma greve que agrade à população, que perde qualidade de vida. Isto para não falar de outras formas de luta. Quando o país parou com o bloqueio da Ponte 25 de Abril, em 1994, não se viu grandes protestos contra os manifestantes, já que estes eram contra os aumentos das portagens.
É claro que ninguém quer estar sujeito aos efeitos de uma greve. Não ter gasolina no carro, chegar ao supermercado e ver as prateleiras dos frescos vazias, não poder comprar o jornal porque não há quem tenha possibilidade de o fazer chegar às bancas, ou os produtores das mais variadas matérias-primas não conseguirem escoar os seus bens é algo que não agrada a ninguém, como disse. Mas então onde começa e acaba o direito à greve, mesmo com os serviços mínimos garantidos? O Presidente e o primeiro-ministro decidem pelos sindicatos?
Sobre os motoristas, muito há para esclarecer. São ou não justas as suas reivindicações? As empresas ganham ou não o suficiente para lhes pagar melhor? O Estado pode ou não contribuir para a valorização profissional desses camionistas?
Certo é que o Governo tudo fará para impedir a greve, não só pelo incómodo que provocará às populações, mas sim por prováveis confrontos físicos com os grevistas. É que houve um célebre primeiro-ministro que deixou a liderança do partido depois dos confrontos na Ponte 25 de Abril. Aqui, o que pode estar em causa é se um eventual confronto físico entre grevistas e polícias consegue beliscar a desejada maioria absoluta. Também certo é que os grevistas já estão condenados na praça pública. Afinal, até o PCP e o BE estão contra a dita greve.