1. Os fogos continuam imparáveis, no único país do mundo que assume existir uma “época oficial de incêndios” com abertura oficial programada, apesar do Serviço Nacional de Proteção Civil (SNPC) e dos mil milhões de euros do Orçamento do Estado (OE) para o seu combate. O Estado não se mostra operacionalmente capaz de inverter a tragédia anual e já só dedica os seus dias a gerir a imagem pública dos incêndios e a relativizar os danos políticos, perante o espetáculo de impotência de que é protagonista.
As listas de espera nos hospitais continuam a crescer, apesar de o Estado deter o quase exclusivo da prestação de cuidados de saúde. Os privados têm cada vez maior procura e os corredores enchem-se de mais e mais cidadãos em busca de assistência em tempo útil, que não encontram nas promessas dos políticos que usam e abusam da ideologia como resposta a uma simples consulta ou cirurgia. O fracasso pesa nos cidadãos, mas sobrevém a promessa de que um dia, na reserva de credibilidade e desconfiança, tudo será melhor.
Os processos nos tribunais arrastam-se. Megaprocessos de eternidade assegurada não param de nascer, como míscaros na floresta da impunidade decisória. Apesar de mil análises e anúncios de alterações no setor, a realidade permanece. É o Estado que detém a exclusividade da função, mas a justiça é Estado à parte, como bem se sabe, onde o tempo raramente é valorizado no plano da cidadania, da economia, da regeneração e justiça efetiva, perante uma nova sociedade mediaticamente julgadora.
As detenções nas Forças Armadas prosseguem, por causa de Tancos, mas o Estado diz que vai continuar vigilante nos quartéis, numa degradação da instituição imprópria da decência e da importância dos militares (e das forças de segurança) num país organizado, como vozes patrióticas vêm alertando.
Obter documentos de um qualquer balcão da administração pública em centros urbanos de primeira categoria implica levantar cedo para entrar na fila de espera e assegurar a “senha do dia” ou fazer centenas de quilómetros e buscar alguma repartição alternativa, numa cidade recôndita, fora dos grandes centros.
É possível a discriminação positiva a favor dos grandes centros na cobrança de portagens e a discriminação negativa no país abandonado.
Entrar em Lisboa por Alverca significa percorrer dezenas de quilómetros, designadamente pela Segunda Circular até entrar na A5 ou na Autoestrada do Sul, sem pagar qualquer imputação parafiscal nestas estradas. Já nas autoestradas do interior, em qualquer ligação entre núcleos urbanos próximos ou até dentro do mesmo concelho é normal a imposição de portagens. Que Estado é este que faz gala de ter uma Secretaria de Estado de Valorização do Interior que o desvaloriza e fecha os olhos a estas anomalias, com injustiça territorial de discriminação negativa?
Em Beja está um aeroporto fechado há oito anos que custou 50 milhões de euros e onde não operam aviões nem chegam passageiros. Na TAP colecionam-se prejuízos que os impostos dos portugueses pagam. Na simples travessia de um rio, em Lisboa, é o drama dos horários e da qualidade dos barcos. Mas o Estado mostra-se orgulhoso na titularidade de empresas de transportes e infraestruturas aeroportuárias.
O país pode ficar sem abastecimento de bens essenciais. Mas esta dependência estratégica e insegurança do Estado é usada como oportunidade para tentativa de dividendos políticos para o Governo. O Estado prosseguirá o abastecimento de combustíveis dos aeroportos por rodovia, mas os pipelines que em toda a Europa há muito existem, aqui, não são objetivo sequer a prazo, porque outros interesses se levantam. O comboio, esse, não existe. Dez das 18 capitais de distrito não contam com um serviço ferroviário capaz de atingir pelo menos uma velocidade média de 90 km/hora. Agora parece que contrataram para gerir os comboios que “não existem” quem fornece serviços aos “comboios que não existem”. O vexame público não anda longe disto.
O sistema fiscal e a Autoridade Tributária, eficazes na ação e insaciáveis na projeção de receita, prosseguem meticulosamente o objetivo de captar o produto do labor das famílias e empresas, enquanto cresce o montante que alimenta o triste espetáculo de um Estado incapaz de cumprir as suas missões.
A dívida externa não para de crescer, ao ritmo de dez mil milhões cada ano. Saber quando chegam as notícias de novo pedido de ajuda internacional pode já não ser matéria para cartomantes, mas o Estado é sereno, repousando na tranquilidade de que, antes da rutura, as instâncias internacionais de socorro estarão sempre prontas a emprestar.
Entretanto, vale ao país e à economia nacional que as exportações pelas empresas privadas têm bom comportamento, assegurando os mínimos de equilíbrio para evitar ruturas face às importações que crescem.
Na ação social, vale ao país que, nas IPSS, centenas de entidades e milhares de cidadãos amortecem os efeitos da muita pobreza que o país e o Estado não conseguem erradicar.
Em pinceladas breves e parciais de flashes da realidade, eis o país que tem o Estado como centro de perturbações coletivas e permanente fonte de usurpação de recursos das famílias e empresas e que as últimas sondagens apontam para continuar politicamente nas mãos de quem se reivindica de mais Estado, isto é, pior Estado.
2. É desta “normalidade” que falam as recentes sondagens, como “obra” a continuar pelos partidos que agora prometem mais do mesmo.
Do partido do primeiro-ministro, a garantia de que falará muito das “funções sociais do Estado”, mas sempre para as manter com este estado qualitativamente degradado. Que mercadejará tudo aquilo que reconhece no programa eleitoral como essencial, mas aproveitando para usar como “moeda de troca” pelo apoio de assentos parlamentares que, obviamente, não alcançará e que lhe permitirão continuar no poder. Numa palavra, venderá a alma ao diabo, renunciará aquilo de que o país precisa para sobrepor aquilo de que a família partidária precisa, para continuar a usufruir do condomínio moldado nestes últimos quatro anos.
Três exemplos.
No programa eleitoral socialista está a “Reforma das Leis Eleitorais”. Obviamente que manterão este triste espetáculo quadrienal de escolha de cidadãos como candidatos consumados, nascidos em apontamentos de notas de agenda de um qualquer chefe partidário, tudo para não fustigar a esquerda totalitária que tem medo da representação uninominal e da responsabilidade personalizada nos eleitos e não nos partidos.
O investimento estrangeiro maciço é a única forma de Portugal sair dos crescimentos poucochinhos inferiores a 2%, que não é capaz de suplantar pela ausência de capital nacional e dinâmicas acrescidas de iniciativa visando as empresas e o emprego. Investimento estrangeiro acrescido significa mais liberdade económica que, uma vez mais, quanto a medidas necessárias, serão trocadas pelo apoio dos totalitários renunciando ao interesse do país e das gerações que emigram.
Por cada cem euros que um português ganha, em média, o Estado recebe 56,75 euros a diverso título. Sobre o remanescente, ainda vai cobrar mais 14,49 euros. Ou seja, por cada 100 euros que passam pelas mãos de um contribuinte, o Estado recebe 71,24. Quando lucra cem euros, o Estado enriquece mais 33 euros. Esta pesada carga fiscal (que a ignomínia pública de PCP/BE quer fixar em valores de roubalheira pública) não irá diminuir, porque não são estes promotores da extorsão pública que admitem falar de menos Estado e menos funcionários públicos. Por todo o lado avança a comunicação instantânea, a digitalização e a desmaterialização, isto é, cada vez menos necessidade de recursos humanos na administração pública. Em Portugal é o contrário, com esta “normalidade política”.
Portugal tem um Governo subjugado ao totalitarismo do Estado, reduzindo já não a liberdade política, mas a económica, territorial, de projeto de progresso e desenvolvimento acelerado do país, que nenhum défice zero do Orçamento consegue esconder.
Mas as sondagens parecem anunciar que tudo pode ser ainda pior.
Há desígnios que o tempo explicará.
Jurista
Escreve quinzenalmente