A mão que assinou o papel assassinou Emyra Wajãpi


O poema de Dylan Thomas (1914-1953), “A mão que assinou o papel”, uma bela alegoria de repúdio a todas as formas de tirania política, social, econômica e religiosa, cai como uma luva para o Brasil de hoje. 


Bolsonaro, o infame, tem em seu poder um papel que podemos chamar, burocraticamente, de minuta, cujo conteúdo é a liberação de terras indígenas para a exploração de minérios. Tal minuta, que está à espera de ser transformada em lei, já ecoa como uma convocação, à base da violência, para a tomada de posse das terras indígenas por parte daqueles que já se encontram dentro delas e daqueles que têm a intenção de invadi-la. Em relação a estes últimos a mão que assinou o papel diz em alto e bom som: o momento de invadir é agora. E se algum índio estiver no caminho, extermine-o.

O efeito criminoso deste papel já se faz sentir de forma brutal na recente invasão de garimpeiros na Terra Indígena Wajãpi, no Amapá, extremo norte do Brasil, que culminou no assassinato do líder indígena Emyra Wajãpi, de 68 anos. O cacique, que era considerado uma liderança com uma luta histórica pela demarcação e homologação das Terras Indígenas, foi executado por tais garimpeiros que invadiram a reserva armados. Assassinato que Bolsonaro teve o descaramento de pôr em dúvida, enquanto a ONU condena o ato.

Esta postura anti-humanitária, como tantas outras desta aberração que ocupa a cadeira presidencial, funciona como uma forma de autorização para o cometimento de barbaridades contra os indígenas, puro reflexo do seu discurso de apoio indiscriminado à mineração. Discurso que se coloca sob a mentira da integração dos indígenas, quando na verdade quer dizer extermínio.

Mas a considerar os pilares de apoio do neofascismo merdavarelo – quer dizer, verde-amarelo – os indígenas estão sendo massacrados de várias formas e por vários ângulos. Primeiro com a destruição de sua cultura que se dá atualmente com a invasão massiva do fundamentalismo evangélico neopentecostal, uma massa de fanáticos – na verdade, fanáticos por dinheiro – que atua em alguns casos, como se pode constatar em algumas etnias, na total devastação de sua cosmovisão de mundo, destituindo-os de toda a sua identidade, alienando-os como forma de trazê-los como zumbis para dentro dos valores do capitalismo, “novos” valores estes que servem como terraplanagem para a entrada de sua aniquilação cultural, ética, estética e, por fim, física, por meio da violência que for necessária. 

Para este trabalho sujo complementar entram em cena os fortes aliados da religião: a mineração e o agronegócio, que massacram e envenenam a terra e as pessoas; e a indústria armamentista que aniquila diretamente o corpo. Esta teia inescrupulosa de interesses privados põe para girar a roda da morte em torno das etnias da floresta, da própria floresta, dos povos ribeirinhos da Amazônia, assim como também de todas as minorias urbanas pelo país afora.    

O papel que este ignorante e perverso homúnculo detém em suas mãos, junto com sua famigerada caneta Bic – B de Bolsonaro, B de Barbárie – versão impressa de seu discurso e prática anticivilizatória em que está explicito o desprezo por tudo o que é humanitário, por tudo o que é estado de direito – gera uma espécie de corrida do ouro e abertura da temporada de caça com invasões e matança nas aldeias e com um desdobramento cínico que tem um objetivo claro: conquistar votos na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado para aprovar o nome de Eduardo Bolsonaro para a embaixada brasileira em Washington, o que facilitará a entrada de mineradoras norte-americanas para dar prosseguimento em escala industrial ao trabalho iniciado por garimpeiros invasores já instalados nas reservas. E como a maçã podre de Bolsonaro se encontra num cesto repleto de semelhantes, ao menos quatro senadores que fazem parte da Comissão que vai sabatinar Eduardo Bolsonaro para o cargo nos Estados Unidos, se mostram simpáticos à proposta de Bolsonaro de exploração de terras indígenas, considerando asreservas Yanomami e Raposa Terra do Sol como preferenciais alvos de mineração.

Por outro lado, girando no sentido contrário da roda da morte, girando em favor da vida, em um sentido macro, os povos indígenas ajudam a ampliar a diversidade da fauna e da flora local porque têm um modo integrado de ocupação, relacionamento e preservação do seu habitat. É isso que também a sociedade brasileira, hoje vivendo sob a batuta da perversidade e da estupidez sem limites, precisa compreender em termos coletivos, em termos de nação e de situação global, para além de seus umbigos criados em shoppings-cativeiros.

Ao considerar o atual estágio do capitalismo que passa por uma transição do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro, como muito bem demonstra Ladislau Dowbor em seu livro A Era do capital improdutivo, o capital, além de se auto reproduzir no mercado financeiro – realização plena do capitalismo – sem gerar  nenhum tipo de riqueza para a sociedade, ele também se volta para a exploração da terra, posto que o setor fabril vai sendo abandonado pelos grandes investidores, numa migração cada vez maior para o setor improdutivo de papeis da bolsa de valores. Dentro desse quadro, abre-se um espaço maior para a sanha sanguinária extrativista da mineração e de todos os criminosos e oportunistas genocidas de plantão, em que se inclui o atual desgoverno.

Todo o discurso e ação descarada de Bolsonaro, carregados do cheiro da morte, do ódio e da inconsequência que sua fala e seus atos espalham por todos os setores da sociedade e que, para uma grande parte de seus eleitores é vista como autenticidade, não passa, na verdade, de um saco de mentiras urdidas em benefício próprio e de seus filhos ligados a milicianos, onde a verdade realmente não tem lugar, como a simples negação dos dados do INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, órgão científico de prestigio internacional, que detectou um aumento de 88% no desmatamento da floresta amazônica; a verdade passa a ser não o que a pesquisa informa, o que a ciência demonstra, o que a cultura esclarece, mas simplesmente o que ele, Bolsonaro, quer que seja a verdade. O que seus eleitores e seguidores tomam por autêntico nada mais é que um monte de insultos, ofensas e total desrespeito às duras lutas e algumas conquistas conseguidas ao longo de décadas por uma população vilipendiada, mas em sua busca da sua dignidade;  de autentico nisso tudo, só a perversidade que emana de sua nociva ignorância.

A mão de Bolsonaro, a mão que assinou o papel, é a mão que assassinou o cacique Emyra Wajãpi.

 

A mão que assinou o papel arruinou uma cidade

 

A mão que assinou o papel arruinou uma cidade;

Cinco dedos soberanos taxaram a respiração,

Dobrou o mundo de mortos e dividiu um país;

Estes cinco reis deram um rei à morte.

 

A mão poderosa conduz a um ombro decadente, 

As juntas dos dedos estão engessadas com giz;

Uma pena de ganso pôs termo à matança

que pôs fim ao diálogo.

 

A mão que assinou o tratado gerou febre,

E a fome cresceu e vieram gafanhotos;

Grande é a mão que domina um homem 

com o garrancho de um nome.

 

Os cinco reis contam os mortos, mas não abrandam

A crosta da ferida nem afagam a testa;

Há mãos que guiam a pena e governam o céu;

Mas não têm lágrimas para jorrar.

 

(tradução de Antônio Moura)

Dylan Thomas, Vinte e cinco poemas, 1936.

A mão que assinou o papel assassinou Emyra Wajãpi


O poema de Dylan Thomas (1914-1953), “A mão que assinou o papel”, uma bela alegoria de repúdio a todas as formas de tirania política, social, econômica e religiosa, cai como uma luva para o Brasil de hoje. 


Bolsonaro, o infame, tem em seu poder um papel que podemos chamar, burocraticamente, de minuta, cujo conteúdo é a liberação de terras indígenas para a exploração de minérios. Tal minuta, que está à espera de ser transformada em lei, já ecoa como uma convocação, à base da violência, para a tomada de posse das terras indígenas por parte daqueles que já se encontram dentro delas e daqueles que têm a intenção de invadi-la. Em relação a estes últimos a mão que assinou o papel diz em alto e bom som: o momento de invadir é agora. E se algum índio estiver no caminho, extermine-o.

O efeito criminoso deste papel já se faz sentir de forma brutal na recente invasão de garimpeiros na Terra Indígena Wajãpi, no Amapá, extremo norte do Brasil, que culminou no assassinato do líder indígena Emyra Wajãpi, de 68 anos. O cacique, que era considerado uma liderança com uma luta histórica pela demarcação e homologação das Terras Indígenas, foi executado por tais garimpeiros que invadiram a reserva armados. Assassinato que Bolsonaro teve o descaramento de pôr em dúvida, enquanto a ONU condena o ato.

Esta postura anti-humanitária, como tantas outras desta aberração que ocupa a cadeira presidencial, funciona como uma forma de autorização para o cometimento de barbaridades contra os indígenas, puro reflexo do seu discurso de apoio indiscriminado à mineração. Discurso que se coloca sob a mentira da integração dos indígenas, quando na verdade quer dizer extermínio.

Mas a considerar os pilares de apoio do neofascismo merdavarelo – quer dizer, verde-amarelo – os indígenas estão sendo massacrados de várias formas e por vários ângulos. Primeiro com a destruição de sua cultura que se dá atualmente com a invasão massiva do fundamentalismo evangélico neopentecostal, uma massa de fanáticos – na verdade, fanáticos por dinheiro – que atua em alguns casos, como se pode constatar em algumas etnias, na total devastação de sua cosmovisão de mundo, destituindo-os de toda a sua identidade, alienando-os como forma de trazê-los como zumbis para dentro dos valores do capitalismo, “novos” valores estes que servem como terraplanagem para a entrada de sua aniquilação cultural, ética, estética e, por fim, física, por meio da violência que for necessária. 

Para este trabalho sujo complementar entram em cena os fortes aliados da religião: a mineração e o agronegócio, que massacram e envenenam a terra e as pessoas; e a indústria armamentista que aniquila diretamente o corpo. Esta teia inescrupulosa de interesses privados põe para girar a roda da morte em torno das etnias da floresta, da própria floresta, dos povos ribeirinhos da Amazônia, assim como também de todas as minorias urbanas pelo país afora.    

O papel que este ignorante e perverso homúnculo detém em suas mãos, junto com sua famigerada caneta Bic – B de Bolsonaro, B de Barbárie – versão impressa de seu discurso e prática anticivilizatória em que está explicito o desprezo por tudo o que é humanitário, por tudo o que é estado de direito – gera uma espécie de corrida do ouro e abertura da temporada de caça com invasões e matança nas aldeias e com um desdobramento cínico que tem um objetivo claro: conquistar votos na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado para aprovar o nome de Eduardo Bolsonaro para a embaixada brasileira em Washington, o que facilitará a entrada de mineradoras norte-americanas para dar prosseguimento em escala industrial ao trabalho iniciado por garimpeiros invasores já instalados nas reservas. E como a maçã podre de Bolsonaro se encontra num cesto repleto de semelhantes, ao menos quatro senadores que fazem parte da Comissão que vai sabatinar Eduardo Bolsonaro para o cargo nos Estados Unidos, se mostram simpáticos à proposta de Bolsonaro de exploração de terras indígenas, considerando asreservas Yanomami e Raposa Terra do Sol como preferenciais alvos de mineração.

Por outro lado, girando no sentido contrário da roda da morte, girando em favor da vida, em um sentido macro, os povos indígenas ajudam a ampliar a diversidade da fauna e da flora local porque têm um modo integrado de ocupação, relacionamento e preservação do seu habitat. É isso que também a sociedade brasileira, hoje vivendo sob a batuta da perversidade e da estupidez sem limites, precisa compreender em termos coletivos, em termos de nação e de situação global, para além de seus umbigos criados em shoppings-cativeiros.

Ao considerar o atual estágio do capitalismo que passa por uma transição do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro, como muito bem demonstra Ladislau Dowbor em seu livro A Era do capital improdutivo, o capital, além de se auto reproduzir no mercado financeiro – realização plena do capitalismo – sem gerar  nenhum tipo de riqueza para a sociedade, ele também se volta para a exploração da terra, posto que o setor fabril vai sendo abandonado pelos grandes investidores, numa migração cada vez maior para o setor improdutivo de papeis da bolsa de valores. Dentro desse quadro, abre-se um espaço maior para a sanha sanguinária extrativista da mineração e de todos os criminosos e oportunistas genocidas de plantão, em que se inclui o atual desgoverno.

Todo o discurso e ação descarada de Bolsonaro, carregados do cheiro da morte, do ódio e da inconsequência que sua fala e seus atos espalham por todos os setores da sociedade e que, para uma grande parte de seus eleitores é vista como autenticidade, não passa, na verdade, de um saco de mentiras urdidas em benefício próprio e de seus filhos ligados a milicianos, onde a verdade realmente não tem lugar, como a simples negação dos dados do INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, órgão científico de prestigio internacional, que detectou um aumento de 88% no desmatamento da floresta amazônica; a verdade passa a ser não o que a pesquisa informa, o que a ciência demonstra, o que a cultura esclarece, mas simplesmente o que ele, Bolsonaro, quer que seja a verdade. O que seus eleitores e seguidores tomam por autêntico nada mais é que um monte de insultos, ofensas e total desrespeito às duras lutas e algumas conquistas conseguidas ao longo de décadas por uma população vilipendiada, mas em sua busca da sua dignidade;  de autentico nisso tudo, só a perversidade que emana de sua nociva ignorância.

A mão de Bolsonaro, a mão que assinou o papel, é a mão que assassinou o cacique Emyra Wajãpi.

 

A mão que assinou o papel arruinou uma cidade

 

A mão que assinou o papel arruinou uma cidade;

Cinco dedos soberanos taxaram a respiração,

Dobrou o mundo de mortos e dividiu um país;

Estes cinco reis deram um rei à morte.

 

A mão poderosa conduz a um ombro decadente, 

As juntas dos dedos estão engessadas com giz;

Uma pena de ganso pôs termo à matança

que pôs fim ao diálogo.

 

A mão que assinou o tratado gerou febre,

E a fome cresceu e vieram gafanhotos;

Grande é a mão que domina um homem 

com o garrancho de um nome.

 

Os cinco reis contam os mortos, mas não abrandam

A crosta da ferida nem afagam a testa;

Há mãos que guiam a pena e governam o céu;

Mas não têm lágrimas para jorrar.

 

(tradução de Antônio Moura)

Dylan Thomas, Vinte e cinco poemas, 1936.