Os “anti” podem reclamar pelo que consideram ser uma atenção desmesurada – e mesmo alguns “pró”, que pedem menos exposição de modo a proteger o futebolista mas, acima de tudo, o menino de 19 anos. Os argumentos são legítimos, é um facto. Como também o é outra evidência, que tem ficado ainda mais visível desde que o Atlético de Madrid chegou aos Estados Unidos, para ali efetuar a sua digressão de pré-temporada: João Félix joga muito à bola e já não se fala noutra coisa (nem noutro nome).
Primeiro, foi o Real Madrid. Os merengues foram vergastados a um baile colchonero (3-7!!!), com o jovem internacional português a fazer um golo e duas assistências para Diego Costa, que nesse jogo encarnou a personagem na perfeição: marcou quatro golos… e foi expulso após discussão com Carvajal, seu colega na seleção espanhola. Na madrugada desta quinta-feira, mais um festival de classe – e nem foi preciso ser titular: frente à denominada All Star da MLS (uma equipa de estrelas da liga norte-americana, com nomes como Zlatan Ibrahimovic, Rooney, Schweinsteiger ou o português Nani), João Félix entrou aos 56 minutos e somou mais um golo e uma assistência para o atacante hispano-brasileiro, numa parceria que está a começar a revelar-se absolutamente mortífera.
Disso mesmo deu conta o próprio jogador português no fim da partida (que o Atlético de Madrid venceu por 3-0). “Entendemo-nos bem. Falamos a mesma língua e isso ajuda muito. Espero fazer mais assistências para ele”, realçou aquele a quem Paulo Futre apelidou, na apresentação como jogador do Atlético, de “menino de ouro”.
menino? homem, se faz favor Aqui nem há lugar à questão da clubite: Futre, também ele um astro no seu tempo – quantos milhões de euros valeria hoje aquele pé esquerdo?… –, deslumbrou ao serviço dos três “grandes” do futebol português, mas sempre se assumiu como adepto do Sporting. Ao mesmo tempo, tornou-se igualmente um fanático do Atlético de Madrid devido às flamejantes sete temporadas que por lá passou (mais um par delas como dirigente), e foi nessa condição que fez tão ambiciosa declaração – ainda assim, bem menos ambiciosa do que os 126 milhões de euros do valor da venda do passe do viseense pelo Benfica.
João Félix. É ele o homem do momento. Sim, homem, facto confirmado pelo BI: “já” lá vão 19 aninhos, feitos em novembro passado. Ninguém diria, olhando para a carinha, face ainda a recuperar das borbulhas da adolescência e o penteado próprio dos meninos de liceu. É isto que se vê quando se olha para Félix antes de a bola começar a rolar; depois… depois fica-se rendido ao talento e, quiçá ainda mais impactante, à maturidade que exala o seu futebol. “Sempre fui assim em tudo o que fiz e aqui é igual”, respondeu ao repórter que o questionou após o apito final precisamente sobre o facto de apresentar um futebol bem mais maduro do que a idade fazia antever. “Assumi o meu futebol, o meu jogo. A adaptação depende dos jogadores, mas eu adapto-me bem”, completou ainda, resolvendo o assunto com a mesma facilidade desconcertante com que dribla dois, três adversários e desfaz os sonhos dos guarda-redes.
como ronaldo? mais ou menos “Gosto de marcar golos. Marquei dois nos últimos jogos e estou muito contente”, disse o menino, e ninguém pode afirmar que disse algo de mal. O golo neste último encontro, de resto, foi especialmente vistoso: João Félix recebeu a bola dos pés de Saúl ainda longe da área e aplicou um remate fortíssimo e seco, embora o guardião norte-americano Rimando não tenha ficado isento de culpas – a bola foi quase à figura e o guarda-redes de 40 anos ainda lhe tocou, mas não impediu que entrasse.
Um golo bastante semelhante na execução a alguns dos melhores apontados por… Cristiano Ronaldo. Curiosamente, em entrevista realizada na véspera à ESPN, João Félix apontava CR7 como um exemplo a seguir. “O Cristiano Ronaldo ganhou cinco Bolas de Ouro e isto é o sonho de qualquer jogador de futebol. Obviamente que eu quero ser como o Cristiano”, assumia.
Quem ainda não se convenceu com as comparações – mais ou menos desmedidas – é Diego Simeone. “Não, não acho que seja parecido com o Cristiano Ronaldo”, respondeu o técnico argentino do Atlético de Madrid na conferência de imprensa que se seguiu à partida. Simeone, ainda assim, não se tem poupado nos elogios ao jogador português. “Vejo-o a jogar melhor de frente, com gente ‘lá em cima’, para que a sua visão de jogo possa causar mossa. Mas quando tens o talento do João e a ambição de melhorar, jogas em qualquer lado”, dizia logo a seguir à goleada sobre o Real Madrid. “O João tem um futebol bonito e tenho desfrutado vendo-o jogar desde que chegou. Tem visão de jogo e noção do futuro, pela forma como fala para a idade que tem e pela forma como lê o jogo. Mas vamos juntar-lhe outras coisas que o vão ajudar a crescer e a tornar-se um jogador melhor e mais forte”, acrescentava antes da partida frente às estrelas da MLS.
Nas horas anteriores ao encontro, houve ainda lugar a uma competição de habilidades, muito ao estilo dos espetáculos desportivos norte-americanos. O Atlético de Madrid defrontou o Orlando City, onde joga Nani e também João Moutinho – não o consagrado médio, mas um lateral-esquerdo de 21 anos também formado no Sporting e que foi para os Estados Unidos estudar e jogar futebol em 2017 –, e a vitória acabou mesmo por sorrir aos norte-americanos… por culpa de Nani.
Em cima da buzina final, o extremo português acertou em cheio na barra e levou o Orlando aos 202 pontos, contra os 195 conseguidos pelos colchoneros e os 168 por uma equipa composta por Rooney (DC United), Vela (Los Angeles FC) e Jonathan dos Santos (LA Galaxy). Dos 195 pontos dos colchoneros, cuja equipa tinha ainda o ex-portista Herrera e o também médio Koke, 75 foram conseguidos por João Félix no tal desafio da bola na barra, com três tiros certeiros – havia ainda uma prova de remate e outra de habilidade técnica.
Ainda antes do apito inicial, João Félix posou ao lado de Kaká, o antigo Bola de Ouro que capitaneou o Orlando City nos últimos três anos de carreira e a quem o jovem luso já tem sido muitas vezes comparado – até fisicamente; já depois da partida terminar, foi Schweinsteiger a chamar Félix e a trocar algumas palavras de apreço para com o avançado português. Como dizíamos no início, quer se queira, quer não, João Félix está aí para ficar – e por muito tempo.