Supertaça. “Enxovalho? Isso não, Serapião!”, gritou Jordão

Supertaça. “Enxovalho? Isso não, Serapião!”, gritou Jordão


Segunda edição da prova, desta vez a duas mãos, com o Benfica a empatar em Alvalade (2-2) depois de ter estado a ganhar por 2-0 ao intervalo. A decisão ficava guardada para a Luz.


Dissemos ontem, aqui mesmo, que a primeira Supertaça, ganha pelo Boavista ao FC Porto, nas Antas (2-1), tinha sido um jogo meio clandestino, e não ficaremos longe da verdade se acrescentarmos que o mesmo aconteceu com a segunda edição da prova, em 1980, tendo agora Sporting (campeão) e Benfica (vencedor da Taça de Portugal) frente a frente, com a novidade de a decisão já ser a duas mãos.

Dia 10 de setembro não houve falta de público em Alvalade (a clandestinidade a que faço referência era outra, a falta de publicidade em redor dos encontros e a desorganização entranhada que fez com que desta vez tenham sido permitidas, por exemplo, três substituições por equipa) e o jogo foi muito rasgadinho, como era habitual escrever-se na altura, e com um surpreendente 0-2 ao intervalo. Leões meio mortiços, cabisbaixos, águias altivas e inquietantes, Alves em grande, Carlos Manuel e Chalana logo atrás, a defesa do Sporting meio aos papéis, Zezinho a caçar tudo o que vestia de encarnado como quem caça ratazanas à paulada, Eurico num vira e revira e Inácio e Barão continuamente ultrapassados em velocidade.

Quando, aos dez minutos, Alves deu um toque para que Carlos Manuel aplicasse um daqueles seus remates fumegantes para o primeiro golo benfiquista, não houve quem abrisse a boca de espanto, tal foi a naturalidade do movimento.

Se do lado dos da Luz havia um avançado endemoninhado, em correrias constantes de abrir correntes de ar por entre a defesa leonina, do lado dos de Alvalade, Manoel (o Manoel do ó) atrapalhava-se tanto ou tão pouco com a bola que, por piedade, Fernando Mendes, o Senhor Fernando Mendes, todo em maiúsculas, gente do melhor que conheci e respeitei como eterno cavalheiro universal, o tirou de campo aos 30 minutos de forma a poupá-lo ao escárnio do público que, farto de tanto dislate, já atirava piropos desagradáveis sobre o moço, cada vez mais nervoso. Entrou Freire para o seu lugar, mas a confusão estava instalada e o ataque demorou a carburar, com Jordão e Manuel Fernandes.

Lajos Baroti, outro Senhor de esse grande, percebeu que devia tirar proveito do momento. Insistiu para que Chalana entrasse pelas zonas defendidas por um Zezinho com os bofes de fora e não tardou que este cometesse um penálti que Vítor Correia negou, não com veemência, sobretudo porque demasiado evidente, mas, negando, estava negado e ponto final.

Em cima do intervalo, Nené descobriu o brasileiro César numa daquelas posições de privilégio. Bola de um para o outro e do outro para a baliza num chapéu bonito, bonito, ao pobre Vaz, que mal podia com as cruzes. O assunto parecia encerrado.

Revolta De encerrado a concluído vai a sua diferença. “Enxovalhos não, Serapião!”, terão encasquinado os leões. A entrada de Dilson para o segundo tempo libertou mais Jordão. O 1-2 veio por aí abaixo num penálti que o próprio Jordão converteu, já não a Bento mas a Botelho, que tomara o seu lugar na baliza para ir ganhando uns minutos de traquejo – e era este o prisma pelo qual a Supertaça, ainda não Cândido de Oliveira, era vista pelos técnicos –, dando ao Sporting aquele alento revoltoso que o mandou ir em busca do empate como um rapazinho procura papoilas e margaridas num campo de gipsófila.

Houve tempo e espaço para ele. Até porque os benfiquistas resolveram dedicar-se a quezílias constantes e embirrações com o árbitro e Carlos Manuel perdeu o tino e gastou mais tempo a falar do que a jogar. Aos 67 minutos, Rui Jordão, outra vez, fechou o empate. Vinha aí uma semana europeia, a segunda mão guardava-se para a Luz, no dia 19 do mês seguinte. (continua na edição de amanhã)