Chegou ao fim a era do homem que tinha mais poder na Câmara Municipal de Lisboa. Tal como o i e o Semanário SOL avançaram ontem, o vereador Manuel Salgado, de 75 anos, informou nos últimos dias os serviços de que iria sair da vereação – tem o pelouro do Planeamento, Urbanismo, Património e Obras Municipais. Polémico e acusado por muitos de querer exercer um poder totalitário, Manuel Salgado é atualmente alvo de diversas investigações e averiguações da Polícia Judiciária.
A sua saída há muito que havia sido combinada com o atual presidente da autarquia, uma vez que Salgado sempre pretendia sair com esta idade.
O seu poder foi crescendo desde que chegou aos Paços do Concelho há 12 anos – havendo quem o compare a Marquês de Pombal, não só pela forma, para muitos controversa, como transformou a cidade, como pelo facto de ter mais poder que o ‘rei’, neste caso o presidente da autarquia. No ano passado foi tornado pública uma alteração aos estatutos da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) – a que preside desde julho do ano passado – que lhe permitiam escapar à obrigatoriedade do visto prévio do Tribunal de Contas em todas as obras e empreitadas da empresa municipal. Esta empresa passara entretanto a ter a seu cargo as maiores obras da cidade de Lisboa.
Ricardo Veludo será o sucessor Apesar de sair da vereação, Manuel Salgado não sai da presidência da SRU, considerada hoje por muitos como uma câmara dentro da Câmara de Lisboa – e que lhe permite continuar a ter um grande poder no que toca ao património da autarquia.
Primo de Ricardo Salgado, o até agora vereador do Urbanismo acabou por muitas vezes pisar o risco na gestão de projetos relacionados com os Espírito Santo.
A saída de Manuel Salgado levanta muitas questões sobre a sucessão. Ricardo Veludo, coordenador da equipa de missão do Programa Renda Acessível, é o sucessor de Salgado, mas o pelouro do urbanismo poderia não ficar com Veludo. Ao i, uma fonte da autarquia esclareceu que Miguel Gaspar, vereador da mobilidade, e João Paulo Saraiva, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foram dois dos nomes colocados em cima da mesa.
O i pediu ontem alguns esclarecimentos à Câmara Municipal de Lisboa, não tendo sido enviada qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.
Salgado diz que é tempo de dar lugar a outros A informação avançada ontem pelo i, foi entretanto explicada pelo próprio numa entrevista à revista E: “A decisão não é de agora, foi tomada no final do último mandato, em acordo com o Fernando Medina. A lei obriga os presidentes da Câmara a um máximo de três mandatos, não obriga os vereadores, mas acredito que é necessário que as pessoas não se eternizem nos lugares e deem lugar a outras mais novas, com novas formas de resolver os problemas, até porque os desafios são diferentes dos que eram há uns anos”.
E sobre os rumores de que a decisão fora motivada por doença, Manuel Salgado reage, dizendo que tal não corresponde à verdade: “Não estou doente, sinto-me com forças para continuar a trabalhar, mas gostava de abrandar um pouco”.
E acrescentou estar disponível para se manter à frente da SRU, caso se mantenha a confiança da autarquia no seu trabalho.
Vereador diz não querer exercer influência Na mesma entrevista, Salgado conclui que a sua permanência à frente desta empresa municipal não pode ser vista como uma tentativa de manter uma forte influência no património da autarquia, lembrando que isso poderia ser feito a partir de casa.
“Aquilo que a SRU faz é executar um contrato-programa que a Câmara estabelece. E só faz obras, deixou de ter competências urbanísticas”, concluiu.
A SRU é vista por muitos como uma câmara dentro da câmara. Em outubro no ano passado numa entrevista ao i Margarida Saavedra, arquiteta com um percurso de mais de 30 anos na Câmara Municipal de Lisboa, alertou que esta empresa era uma “segunda câmara para os assuntos que a câmara quer resolver de modo expedito”.
“Os assuntos são aqueles que são óbvios, é o Plano Integrado de Entrecampos e toda aquela parte que a SRU resolve gerir sozinha, sempre ligados aos grandes negócios imobiliários porque normalmente a SRU atua em terrenos que não estão construídos ou que vão ser para construção. E curiosamente incidem sobre uma parte da cidade que é nobre, ao longo do eixo central”, afirmou ainda Margarida Saavedra.
No ano passado, o antigo vereador Fernando Nunes da Silva fez um conjunto de acusações a Salgado, numa entrevista ao SOL, fez várias acusações a Salgado, que levaram a que fossem feitas propostas na assembleia municipal para acompanhamento do trabalho de Salgado – todas chumbadas. Nunes da Silva disse mesmo ter ‘apanhado’ Salgado “numa coisa que dá perda de mandato e eventualmente cadeia, que é o edifício novo da Fontes Pereira de Melo”. E adiantou que o caso esteve na Polícia Judiciária. Também no fim do ano passado, a Procuradoria-Geral da República confirmou que estava a investigar a construção da torre das Picoas.
Mas não é o único caso no radar das autoridades. Estão em curso diversas investigações da Polícia Judiciária que têm como protagonista Manuel Salgado.
Uma das investigações mais recentes diz respeito ao quartel do Regimento de Sapadores Bombeiros próximo do Hospital da Luz e cuja compra em hasta pública pelo grupo Luz Saúde (na altura, Espírito Santo Saúde) – detida pelo Grupo Espírito Santo (GES), de Ricardo Salgado, primo direito de Manuel Salgado – , em 2014, com o objetivo de ampliar as instalações, levantou suspeitas entre alguns membros da CML e da Assembleia Municipal.
O projeto do Hospital da Luz é da autoria do arquiteto Manuel Salgado e do Risco – o ateliê que está hoje nas mãos do filho, Tomás Salgado – e remonta ao tempo em que Salgado não estava ainda na CML.