Rui Lourenço Gil. “Seria bom o mediador blindar mais o processo negocial dos motoristas”

Rui Lourenço Gil. “Seria bom o mediador blindar mais o processo negocial dos motoristas”


Especialista em negociação explica as fraquezas e forças de sindicatos, patrões e Governo em vésperas da greve marcada para 12 de agosto.


O braço-de-ferro entre motoristas e patrões, intermediado pelo Governo, continua e foi pré-anunciada uma greve que poderá parar o país para dia 12 de agosto. O i entrevistou por email Rui Lourenço, professor auxiliar convidado da Católica Porto Business School, que dá aulas de liderança e negociação e explica o que está em cima da mesa neste caso: a estratégia, as táticas e os sentimentos de um diferendo que tem duas partes, mas envolve o interesse de três. “No cenário de greve, a força negocial é favorável aos sindicatos”, lembra o docente.

No âmbito negocial, que leitura se pode fazer da situação atual?

Tanto quanto sei, estes dois sindicatos reivindicam: o aumento do salário bruto global de 1400€ a partir de janeiro de 2020 com progressões anuais de 100€ em 2021 e 2022, ou bienais de 200€; e remuneração das horas extraordinárias a partir das oito horas de trabalho. Acresce que o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) considera que o acordo coletivo de trabalho celebrado em 2018 entre a ANTRAM e a FECTRANS não responde às especificidades dos motoristas de matérias perigosas, pelo que pretende negociar um acordo coletivo de trabalho específico, no que é secundado pelo SIMM. Neste quadro, acrescem outras matérias negociais, nomeadamente os suplementos de deslocação nacional e internacional que querem manter; o aumento do subsídio de operação de matérias perigosas para 240€; e a idade de reforma reduzida em um ano por cada quatro de atividade, alegando tratar-se de desgaste rápido. As reivindicações sobre o salário bruto global e as progressões salariais nos valores antes referidos surgiram após a celebração de dois protocolos negociais entre a ANTRAM e o SNMMP a 17 de maio, e que levou à desmarcação da greve para 23 de maio, e entre a ANTRAM e o SIMM a 21 de maio. Pelas notícias, o entendimento que formo é o de que a ANTRAM terá sido posteriormente confrontada com estas reivindicações, e, não tendo ainda devolvido resposta, a 6 de julho, de surpresa, tomou conhecimento de que estes sindicatos em conjunto tinham tomado a decisão de avançar para nova greve a 12 de agosto. 

Porque decidiram então os sindicatos partir para nova greve? 

A não receção de resposta da ANTRAM terá levado as direções dos sindicatos a ficarem desconfiadas, e reciprocamente, a ANTRAM dada a resposta musculada dos sindicatos na sequência dos protocolos celebrados que assinalavam progressos e não fechavam o processo negocial. Com esta crispação o clima de abertura negocial deteriorou-se. No articulado dos protocolos de 17 e de 21 de maio, no âmbito não pecuniário, a ANTRAM compromete-se a formação profissional, seguros de vida e exames médicos específicos, e, no âmbito pecuniário a: “i) aumento da remuneração base para 700.00 euros a partir de 01.01.2020 e à sua subida em linha com os aumentos do salário mínimo nos anos subsequentes, e ii) um novo subsídio de operações no valor de 125 euros”. Assim, tudo indica que, para já, as partes poderão estar longe de um acordo. 

Para a greve de agosto, nem sobre os serviços mínimos há entendimento…

No cenário de greve a partir de 12 de agosto, esteve em negociação a 24 de julho a percentagem de serviços mínimos a garantir no país. A ANTRAM ambicionava fixar o valor nos 70%, porém, o lance de parada fixa dos sindicatos foi o de fixar o valor nos 25%. Não tendo chegado a acordo, terá o Governo de vir a estabelecer esta percentagem. A exequibilidade e a determinação dos sindicatos para concretizarem a ameaça de greve é credível, bem como ela ter grande adesão. Digo-o baseado na adesão de 100% e no sucesso da anterior, e numa dinâmica de afirmação, de crescimento dos associados e de conquista de alguns direitos que entretanto alcançaram, quer do Governo, quer da ANTRAM. Numa negociação é muito importante equacionar a força das partes, sendo que ela depende das respetivas alternativas e constrangimentos situacionais. 

E qual a força de cada uma das partes neste caso, as suas alternativas e constrangimentos?

Com a greve, os sindicatos executam a sua alternativa ao acordo que não conseguiram, e, não obstante as suas reivindicações serem justas. O seu maior constrangimento estimo que esteja no desgaste rápido da tolerância da população, tanto mais que é do conhecimento público o facto de o SNMMP, no acordo de 18 de abril, ter aceite manter a disponibilidade negocial, nomeadamente o ponto 8 do acordo reza que “(…) as partes comprometem-se a diligenciar (…) um clima de diálogo e paz social (…), abstraindo-se de outras formas de pressão, nomeadamente greves (…)”. E ambos os sindicatos ao mesmo se comprometeram nos subsequentes protocolos negociais de 17 e de 21 de maio. “Porquê evoluir para uma greve no período de férias com tamanha dureza a seis meses da data limite e tendo conquistado já alguns benefícios?!” – muitos compreensivelmente já se interrogam, e ela pode dar rápida passagem à indignação. 

E do lado da ANTRAM?

As alternativas da ANTRAM poderão ser exercer pressões sobre o Governo e trabalhar a sua imagem junto da população, responsabilizando os sindicatos por todos os danos decorrentes da greve. Relativamente aos constrangimentos situacionais, todos os seus associados vão ficar expostos a perdas grandes e crescentes a cada dia de greve o que pode provocar, ou avivar, tensões internas.

Há também o lado do Governo…

Finalmente, no cenário de greve os constrangimentos do Governo serão enormes pois ela afetará toda a economia, com repercussão confluente no turismo, e na vida dos cidadãos (alimentação, mobilidade, saúde e segurança), agravando as dificuldades do período estival com os incêndios, e num período pré-eleitoral, não favorecendo a ambicionada maioria absoluta. Sem comprometer o direito à greve e a sua expressividade, as alternativas do Governo poderão, no limite, passar pela requisição civil para garantir que o país não paralisa, sendo que a primeira alternativa poderá ser, nomeadamente para as mercadorias não perigosas e para, se necessário, assegurar as cotas de efetivos serviços mínimos, a mobilização de motoristas não associados aos sindicatos. A ação antecipatória parece-me, contudo, ser de imediato e por sageza, a mais prudente e que por certo estará em curso através do apelo aos cidadãos para se prepararem. Os transtornos de greve são custos de democracia; da criação de um banco de motoristas supletivos; e de influência discreta junto das partes na diligência de evitar a greve até ao último minuto, exercendo arbitragem no âmbito de as levar à mesa de negociação para encontrarem um pré-acordo promissor que o próprio representante do Governo pode vir a propor.

Quem tem mais força negocial?

No cenário de greve, a força negocial é favorável aos sindicatos. Trata-se de uma greve de repercussão sistémica pois comprometerá multissetorialmente as cadeias de abastecimento e afetará o normal funcionamento do país com repercussões potencialmente muito graves na vida dos cidadãos e das economias, nos planos interno e da exportação. Importa lembrar que, na greve anterior de 15 de abril, os serviços mínimos ficaram pelos 40%, tendo então provocado ao fim de três dias graves problemas, com a agravante de agora a greve abranger todas as cadeias de abastecimento terrestres, afetando a reposição diária de bens essenciais e perecíveis.

Mas houve coisas que correram menos bem ou que poderiam ter sido negociadas de outra forma, certo?

A 18 de abril os representantes da ANTRAM e do SNMMP, com a intermediação do Governo, firmaram compromissos pondo termo a uma greve iniciada em 15 de abril, e pré-anunciada a 28 de março, que, em três dias, colocou os portugueses – colhidos de surpresa – e o Governo numa situação muito delicada, no limiar da paralisação do país. Subsequentemente, a 17 e a 21 de maio, o SNMMP e o SIMM celebraram protocolos negociais com a ANTRAM. Contudo, contrariamente à expectativa criada com estes acordos, que fixam a data de termo das negociações em 31 de dezembro de 2019, o SNMMP pré-anunciou uma greve para 23 de maio, desconvocada seis dias antes na sequência das conquistas negociais a 17 de maio, e posteriormente, em coligação com o SIMM, emitiu novo pré-aviso de greve a 15 de julho, agora para 12 de agosto. 

Porque se revelam insuficientes estes acordos para manter um clima de paz social?

Na minha perspetiva, há razões que transcendem os acordos, nomeadamente: a histórica, referente à relação das partes nos últimos 20 anos; e a do padrão negocial do sindicato. Mas, olhando apenas para os acordos, foco-me no primeiro celebrado a 18 de abril. O acordo então celebrado, num quadro de respeito pela liberdade decisória das partes, mobiliza uma abordagem negocial baseada em princípios que os negociadores aceitam tomar como referência e estabelece a data de fecho do processo numa perspetiva temporal dilatada de oito meses. Esta abordagem de iniciativa governamental foi muito oportuna e sábia, a sua eficácia no momento para pôr termo à greve e distender as relações dos negociadores comprova-o, sendo que importa compreender que o compromisso do Governo de protagonismo ativo subsequente ao acordo foi o que chancelou, para os dirigentes do sindicato, a confiabilidade sobre o valor do instrumento negocial produzido. Contudo, a meu ver o acordo peca pelo que lá não está. 

Como por exemplo?

Existem pelo menos duas omissões de vulto no acordo celebrado. Considerando os oito meses até ao fecho do processo em dezembro, no documento deveria constar o compromisso de as partes negociarem muito proximamente um calendário negocial faseado com identificação dos assuntos a tratar e dos dados a produzir e a partilhar tendo em vista sustentarem, numa base muito regular, o diálogo entre negociadores, conferindo prioridade a uma fase votada à permeabilização e sensibilização mútuas para as realidades que representam, considerando os cenários atuais e futuros. Na ausência desta disposição, passado algum tempo, emergem receios e desconfianças. Facilmente o sindicato julga que o acordo está a ser aproveitado para a contraparte ganhar tempo e fazer perder dinâmica, ou uma demora de resposta a uma nova proposta é entendida como ameaçadora. daqui resultando da contra parte acusações de falsidade e rotura com os compromissos já assumidos.

E quanto ao que foi veiculado para a imprensa, com versões diferentes?

As partes dever-se-iam ter obrigado a fazer notas de imprensa conjuntas, mesmo que só para comunicarem dissensão. Sem este dispositivo, pode haver aproveitamento, ou acusação injusta de aproveitamento, dos órgãos de comunicação social para criar ruído e fabricar acontecimentos. O ponto 7. do acordo, sobre confidencialidade, em que as partes acordam só divulgar resultados no fim do processo negocial, é ambíguo no quadro de um processo que pode demorar oito meses, podendo dar origem à interpretação de que é legítimo divulgar no termo de cada ronda negocial e à correlata crítica, erodidora de confiança, de que o acordo foi violado.

Vê mais algum problema? 

Na minha opinião acresce um outro lapso, este anterior ao acordo de 18 de abril. Para enfrentar a greve de então, o Governo estabeleceu a natureza dos serviços que deveriam ser minimamente assegurados, porém, não fixou uma cota percentual que, neste outro cenário de greve para 12 de agosto, teria grande conveniência se tivesse sido estabelecido para prevalecer até 31 de dezembro no cenário de greve recursiva. 

Toda esta luta tem uma história. Qual o ‘truque’ para que o sindicato tenha ganho tanta força este ano?

A Associação Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas, constituída em 31 de dezembro de 2017, evoluiu para sindicato em 8 de novembro de 2018, à data com cerca de 550 associados, na sequência da revisão do contrato coletivo de trabalho celebrada entre a FECTRANS e a ANTRAM, publicado em 15 de setembro de 2018 – acordo histórico que, ao fim de dois anos de negociações, pôs termo ao que vigorou por 21 anos. Sucede que, em apenas oito meses de existência, o SNMMP, que no máximo poderá vir a representar cerca de 800 a 900 motoristas – dimensão reduzida se considerarmos que no máximo o SIMM poderá vir a representar mais de 49 mil – já granjeou grande visibilidade, aumentou a massa associativa em cerca de 36% após a greve em abril, alcançou o rendimento mensal na casa dos cinco mil euros, viabilizando dedicação remunerada do presidente a tempo pleno, e antecipou-se em conquistas negociais ao SIMM, mais antigo, cuja origem remonta a 2015.

Mas como?

A meu ver, para este fenómeno concorre o efeito combinado de cinco sentimentos, nomeadamente: ressentimento, isolamento, desconsideração, companheirismo e prestígio. Vejamos os fatores que os originam. O ressentimento, partilhado com a classe dos motoristas em geral, foi caldeado em décadas. Os motoristas de pesados na generalidade têm vindo a ser muito mal pagos, com perda nos últimos vinte anos de poder de compra, pois lá longe chegaram a auferir salário de base na casa dos dois salários mínimos enquanto hoje ele se situa nos 630€. Têm  suportado vidas necessariamente dependentes das componentes remuneratórias variáveis, com o que isso implica em termos de estabilidade de rendimento dos agregados familiares e de delapidação no valor das reformas. E têm também sido sustentadamente expostos a horários incertos, longos e noturnos, comprometedores de descanso, agravantes de exposição a riscos e que os impedem de facultar regular apoio familiar e de desfrutar dos confortos do lar. Há pois um penar de longos anos nesta classe que, pelo regime e condições de exercício de atividade, que também lhes confere uma mentalidade e cultura próprias, talvez um pouco nómada e solitária, particularmente naqueles que mais regularmente fazem longo curso, pois são trabalhadores socialmente isolados por longos períodos nos seus postos de trabalho. Pitoresco este não menos relevante dado que também concorre para nas empresas em que laboram serem, para os demais, percebidos como ‘os outros’, se bem que por alguns padrões de relação também para tal contribuam.

Mas têm também percebido a sua real importância…

No carrear dos anos, nesta classe tem-se vindo a afirmar a tomada de consciência de que dos motoristas depende uma parte muito grande do funcionamento social e económico do país, sistemicamente vital em termos sociais e económicos, e ainda a consciência de que, na espessura do tempo, os seus baixos rendimentos têm sido um dos fatores à custa do qual os empregadores têm sustentado viabilidade económica e criado riqueza. Porém, por longo desfiar de anos, quem se preocupou com eles? Os empregadores, os sindicatos, os partidos, os governos, os cidadãos? Considero que é precisamente no défice da equação entre ‘o dado e o a haver’ que, de modo mais tácito ou explícito, emerge o alinhamento emocional dos motoristas no ressentimento.

E quanto ao isolamento?

O sentimento de isolamento ganha expressão pela diluição da especificidade do transporte de matérias perigosas na generalidade do ‘simplesmente transportar’, reduzindo o estatuto deste núcleo de motoristas a meros estafetas motorizados, e amarrando-os à condição de trabalhadores não/pouco qualificados e ao que tal repercute negativamente no seu pacote remuneratório. É um sentimento de ser minoria em casa, de estar só na inclusão numa vasta classe a que pertencem, mas onde, porém, se percebem estranhos mesmo que associados no contexto sindical onde naturalmente se integrariam. E a prová-lo está que, na longa jornada negocial da FECTRANS com a ANTRAM, que culminou no acordo coletivo de trabalho de 2018, não encontram devidamente contemplada a especificidade do motorista de matérias perigosas. Veio assim o futuro justificar, para eles inequivocamente, o momento em que, em 2017, se constituíram em ANMMP.

E não contemplar a sua especificidade é uma miopia que transcende a questão de se tratarem de profissionais a quem é exigida mais qualificação em domínios diversos, pois a sua atividade requer inclusive qualificações no domínio da defesa, devendo estar também sujeitos a supervisão no âmbito da segurança nacional dado terem acesso a plantas industriais e circularem com veículos passíveis de ser alvos privilegiados de terrorismo. 

Esse sentimento dá-lhes força…

Esta partilha do sentimento de estar isolado agudiza e alimenta a consciência necessária ao empoderamento simbólico desta minoria: o ‘sermos nós’ desta micro classe na derivação, do ‘quem por nós fará se não fizermos acontecer’.  

Há também a desconsideração, certo?

Quanto a mim, no caso, o sentimento de desconsideração associa-se ao que se chama pedra no sapato – algo que mói e, porque continua, não se esquece, desencadeando iniciativa que se sobreponha à agressão, e no caso esta é identitária. Desde que existe como sindicato, dado ser visto como responsável por fragmentação sindical, o SNMMP, que representa um partição ínfima de motoristas, foi menorizado sob o epíteto de ‘sindicato bebé’. Pois a resposta está esfregada no nariz de todos: tem estado a pôr a nação em sentido e a ir mais longe e rapidamente que forças sindicais que lhe ganham em escala e história. O sentimento de companheirismo é um epifenómeno dos demais dado que estes motoristas, enquanto classe ressentida e micro classe exposta ao isolamento e à desconsideração, encontram-se sujeitos ao aperto na fronteira que os demarca e distingue, levando-os a juntar ombros, ao cerrar dos dentes, e a formar fileiras pela defesa de uma justiça a que percebem só poder aceder por via da luta. É um sentimento em que ser minoria ajuda e não apenas ao coletivo, porém também às suas lideranças – assim haja protagonismo à altura. Um chão de conteúdos cuja circunscrição do foco assegura ampla compreensão e identificação com o retrato e o horizonte, favorecendo a construção de uma base comum de perceção e de preferência entre os associados. Por fim, o sentimento de prestígio resulta do que este sindicato já conseguiu em quatro meses (desde meados de março com o pré-aviso da primeira greve). 

Quem é responsável por isso?

Por detrás deste ramalhete de louros encontro as lideranças combinadas do presidente e do vice presidente do SNMMP, sendo que, do meu ponto de vista, ela colhe alicerce nas histórias pessoais dos protagonistas. De acordo com a informação difundida a que tive acesso, o presidente, o senhor Francisco São Bento, ao tempo em que exercia a atividade de motorista, porque empenhado na defesa dos direitos da sua classe, foi alvo de pressões que culminaram com rescisão de contrato por mútuo acordo. Por outro lado, sem auferir salário, esta pessoa tomou a decisão de fazer da luta de classe a sua missão de vida. Relativamente ao vice-presidente, o Dr. Pedro Pardal Henriques, pelos dados a que tive acesso estamos perante alguém que na qualidade de familiar de camionista terá experienciado as dificuldades dos motoristas que agora representa e defende, com perceção de anos sobre a repercussão da vida destes profissionais nos seus agregados familiares. Por outro lado, esta pessoa combina duas valências importantes para a abordagem negocial: a de ser advogado e com responsabilidade jurídica pelo sindicato, e o de ter experiência de gestão com iniciativa em áreas de negócio. Acresce que poderá ter motivações e ganhos cruzados para o empenhamento na demanda sindical posto que, se por um lado o SNMMP tem neste dirigente o seu jurista, por outro, por via da assessoria jurídica do seu escritório a outros sindicatos de motoristas, este dirigente poderá obter sinergia de ganhos através de um nicho de especialização e de negócio.

Como se caracteriza o desempenho negocial deste sindicalismo?

A ordem negocial deste sindicalismo compreende um posicionamento e um paradigma de atuação. A ação do SNMMP parece inscrever-se num posicionamento com três referenciais: independência política e federativa, e inclusão associativa de talentos relevantes para a missão. Apesar do período de intervenção ser curto, o paradigma de atuação deste sindicato parece pautar-se por: agir por antecipação e marcar o ritmo do processo negocial; conceder curtos períodos de interregno negocial; exibir força pré-negocial por via de greves; aproveitar períodos vulneráveis (Páscoa, férias de verão – atenção à reentrada escolar e ao Natal); focar a conquista imediata; oscilar entre estilo competitivo e compromisso; endurecer face a cedências; assumir protocolos negociais intermédios como não vinculativos; evoluir sistematicamente nas conquistas; abrir espaço a outros sindicatos através do efeito de cunha da minoria crítica; e empoderar por coligação com outras forças sindicais críticas afins. O SNMMP e o SIMM representam o chão de fábrica da cadeia de abastecimento do sistema que chamamos Portugal – a nossa casa. Há a ameaça latente de quando fazem greve o seu direito ser uma ameaça ao Estado democrático de direito. A pauta de conduta negocial deste sindicalismo apresenta desafios que, amiúde, têm ultrapassado as dificuldades próprias de uma mesa de negociações na medida em que repercute na vida do povo e nas atividades económicas, assim expondo os governantes ao eleitorado, e exigindo, quer da contraparte dos sindicatos, da ANTRAM, quer do mediador, e também ele negociador, do Governo, grandes esforços de contenção e de diligência operacional. Neste quadro se entende que, sendo a negociação entre duas partes, ela envolve inexoravelmente o interesse de três, exigindo protagonismo do Governo. Em remate final, penso que haverá benefício em quem represente este mediador blindar mais o processo, reforçando a ancoragem das partes em mais princípios e regular a evolução dos acontecimentos através de um plano que cruze matérias e rondas negociais até ao fim de dezembro.