Geringonça há só uma


Cada vez há mais e mais geringonças, sem que isso nos permita esquecer o valor único e a marca de água diferenciadora da geringonça primordial.


Quando, em 2015, António Costa e o Partido Socialista conseguiram dar expressão política governamental a uma maioria social e política que se opôs à continuação da agenda de austeridade e empobrecimento protagonizada pela coligação PSD/PP, alargando o arco da governação e desenhando uma solução “fora da caixa”, a classificação desse procedimento de consolidação de uma maioria social e política viável como “geringonça” criou raízes em Portugal, na Europa e no mundo.

Daí para cá, um pouco por todo o espaço democrático foram surgindo dinâmicas de coloração diversa que foram sendo designadas como geringonças. Muitos classificaram mesmo a solução encontrada para o novo ciclo institucional na União Europeia como uma geringonça supranacional. Uma geringonça anda em construção e com a participação ativa de forças pró-europeias de largo espetro.

Não será a constituição de geringonças a resposta natural da democracia do nosso tempo à fragmentação das causas, movimentos e dinâmicas das sociedades modernas? Do meu ponto de vista, a resposta é afirmativa. Cada vez há mais e mais geringonças, sem que isso nos permita esquecer o valor único e a marca de água diferenciadora da geringonça primordial.

Embora reconhecendo que geringonças já surgiram muitas e surgirão cada vez mais, geringonça verdadeira há só uma, a nossa, a portuguesa, a que permitiu cumprir uma legislatura com estabilidade política e ganhos económicos e sociais reconhecidos pela maioria da população, quando escutada nos estudos de opinião divulgados.

As geringonças são coligações sociais viáveis com uma base ideológica e de valores diferenciados, mas unidas em torno de prioridades e compromissos compatíveis. Grande parte das soluções governativas nos países da União Europeia têm essa matriz. Nuns casos, é a defesa do Estado de direito e a travagem do populismo a unir forças com visões e programas diferenciados. Noutros, felizmente ainda residuais, é a imposição do populismo que se faz com coligações sociais por medida, como aquela que a Liga Norte e o Movimento 5 Estrelas fabricaram em Itália. Noutros casos ainda, há geringonças que definem um novo quadro de bipolarização em cenários fragmentados. A dinâmica política em Espanha pode vir a ser um exemplo disso.

Não hesito em considerar a geringonça primordial uma boa solução política e que, pelo seu sucesso, se prolongará no tempo, sob forma flexível e cujo desenho só poderá ser feito após a escolha eleitoral de outubro. Essa forma será aquela que assegurar uma maioria social progressista tão forte quanto possível e tão alargada quanto os portugueses decidirem. No entanto, nem todas as geringonças são boas. Existem mesmo em vários países do mundo geringonças geradas democraticamente e que ameaçam o futuro da democracia.

Por isso, reiterando a minha ideia de que a constituição de geringonças é a resposta natural da democracia do nosso tempo à fragmentação das causas, movimentos e dinâmicas das sociedades modernas, penso que é necessário arranjar outro nome para os vários puzzles que se vão formando e não abusar, como eu abusei neste texto, da marca geringonça. É que geringonça há só uma e já tem lugar na história política do séc. xxi.

Eurodeputado