Quase 18 anos depois, ninguém diria que seria um comediante a defender as vítimas dos ataques terroristas do 11 de setembro. Jon Stewart, o famoso ex-apresentador do The Daily Show, conseguiu que o Senado norte-americano votasse quase unanimemente a favor da extensão dos fundos de assistência médica às vítimas e às equipas de salvamento que correram para os escombros das Torres Gémeas. O prazo do fundo expirava em 2020, mas a participação de Stewart alavancou a causa e o movimento conseguiu que o Congresso providenciasse cuidados de saúde até 2092. A política faz-se de muitas maneiras e Stewart não é novo nestas andanças, alcançando uma influência de fazer inveja a muitos políticos. No século XIX, Clausewitz – um general prussiano – afirmou que a guerra é a continuação da política por outros meios. No caso de Stewart, podemos dizer que a comédia é a continuação da política por outros meios.
A luta pelo financiamento dos cuidados de saúde das vítimas dos atentados em Nova Iorque culminou numa intervenção do ex-apresentador do Daily Show no mês passado. Num discurso emocionado proferido no início do mês de junho, Stewart pediu aos congressistas do Capitol Hill para “terem vergonha na cara” por não quererem financiar a assistência médica às equipas de salvamento e às vítimas do 11 setembro. Nesta intervenção, o comediante não representou a pessoa descontraída e jocosa que nos habituámos a ver no ecrã.
Com um rosto carregado e lágrimas nos olhos, Stewart criticou a indiferença para com as vítimas e a hipocrisia do Congresso: “Que metáfora incrível que esta sala é do processo para conseguir assistência médica para os socorristas do 11 setembro. Ao que isto chegou. Por detrás de mim, uma sala cheia de socorristas do 11 setembro. E, à minha frente, um Congresso quase vazio”. “Doentes e a morrer, deslocaram-se para aqui para falar. E ninguém [no Congresso]. Vergonhoso”, apontou Stewart. Muitos dos que viveram os atentados em Nova Iorque, tanto as vítimas como as equipas de salvamento, ainda sofrem graves problemas de saúde por terem inalado a poeira e os fumos tóxicos do Ground Zero.
“Nunca vamos conseguir pagar o serviço que a comunidade do 11 de setembro fez por este país”, defendeu Stewart. “Mas podemos parar de penalizá-los”. O comediante finalizou o seu discurso com um desafio aos congressistas: “Eles fizeram o seu trabalho. Agora façam o vosso!”. A legislação acabou por passar no Senado com 97 votos a favor e apenas dois contra, um mês depois. Agora, falta o Presidente Donald Trump ratificar a medida na sexta-feira.
Comediante Inovador
Há muito que o humor é uma arma para criticar o poder político. Já na Grécia Antiga autores como Aristófanes, Aristóteles ou Eurípides satirizaram diversos aspetos da sociedade, desde os costumes à moral ou às instituições através das suas comédias teatrais.
Jon Stewart identifica-se como um judeu de Nova Jérsia. Não é nenhum autor clássico, nem inventou a sátira política. Mas ficará na memória dos círculos liberais de Nova Iorque por largos anos. Stewart mudou o panorama mediático através do The Daily Show, que apresentou de 1999 a 2015. Num formato em que assumia ao mesmo tempo o papel de pivô e de comentador do jornal da noite, o comediante satirizava a atualidade com uma astúcia inigualável, de segunda a quinta-feira.
O seu alvo favorito era sem dúvida a Fox News e o Partido Republicano. Contudo, no meio de gargalhadas, também conseguia apontar com habilidade a hipocrisia e os erros da imprensa liberal e dos políticos democratas. Por vezes, até fazia melhor jornalismo do que os meios de comunicação convencionais. No seu último ano, tinha uma audiência de 2,2 milhões telespetadores. Numa América onde o populismo conservador crescia – e, com ele, a frustração com o processo político -, o Daily Show era uma lufada de ar fresco para muitos. O sucesso do género informação/comédia que Stewart tão bem dominou fez com que hoje chovam programas do mesmo tipo nos canais da televisão norte-americana. E grande parte dos comediantes que seguem esse caminho até começaram com ele: John Oliver, Stephen Colbert ou Hasan Minhaj são alguns dos vários exemplos.
Para a história ficou a eterna rivalidade de Stewart com Bill O’Riley, o apresentador com a maior audiência na Fox News. Comentavam-se um ao outro quase todas as semanas. O primeiro não o levava a sério. O segundo via Stewart como um opinion maker liberal a abater. Foram ao programa um do outro por diversas vezes e até chegaram a debater numa universidade. Afinal, a competição entre eles era um negócio lucrativo. Fazia parte do showbusiness.
Outro grande alvo da chacota de Stewart era Trump, como não podia deixar de ser. Quando o atual Presidente anunciou a sua candidatura para as primárias republicanas, Stewart deleitou-se com a apresentação do milionário a descer das escadas da Trump Tower enquanto se ouvia “Rockin In The Free World”, de Neill Young. “Estou mesmo feliz neste momento”, escarneceu. Seguramente não esperava a sua eleição.