Aldeia Segura. “Notícias alarmistas” já chamuscaram o Governo

Aldeia Segura. “Notícias alarmistas” já chamuscaram o Governo


Adjunto de secretário de Estado da Proteção Civil pediu ontem para sair depois de se descobrir que tinha indicado a empresa de marido de autarca do PS que vendeu golas inflamáveis a um preço superior ao de mercado.


Foram precisas poucas horas até que uma notícia considerada pelo ministro da Administração Interna como “irresponsável e alarmista” desse lugar a uma demissão dentro do próprio ministério. Francisco Ferreira, adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil, pediu ontem para sair depois de se saber que sugeriu as empresas que forneceram as golas inflamáveis, os kits de emergência e os panfletos de sensibilização, no âmbito do programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras.

“O Técnico Especialista Francisco José da Costa Ferreira pediu a exoneração de funções no Gabinete do Secretário de Estado da Proteção Civil”, esclareceu a tutela numa nota enviada ontem à Lusa, na qual se dá conta de que o pedido foi aceite de imediato pelo secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves.

Ao Jornal de Notícias, que avançou a notícia de que Francisco Ferreira, também presidente da concelhia do PS/Arouca, tinha sugerido as sociedades a quem os serviços foram adjudicados, o até ontem adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil confirmou ter recomendado “nomes para tais procedimentos”.

O caso começou com a distribuição de 70 mil golas inflamáveis, mas hoje é muito mais do que isso: a empresa que forneceu tais golas e os kits de emergência – a Foxtrot Aventura – é do marido de uma autarca do PS; as golas foram compradas a um preço superior ao de mercado; e a sociedade contratada para fazer os panfletos, a Brain One, tem um histórico de adjudicações com a Câmara Municipal de Arouca, autarquia que Artur Neves liderou durante mais de uma década.

A Foxtrot Aventura, Unipessoal Lda. – de Ricardo Peixoto Fernandes, marido de Isilda Gomes da Silva, presidente da Junta de Freguesia de Longos, em Guimarães, e que também faz parte dos órgãos sociais da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários das Caldas das Taipas – arrecadou 102 200 euros pelo fornecimento das 70 mil golas que, apesar de serem destinadas a pessoas que estão a braços com situações de incêndio, são de material inflamáveis. E ganhou 165 mil euros com a venda de kits de autoproteção.

Além da coincidência familiar, a empresa Foxtrot foi criada no final de 2017, 60 dias após o Governo ter decidido, em Conselho de Ministros, a criação do programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras com vista à proteção de aglomerados populacionais e da floresta.

Já pela elaboração de panfletos, a Autoridade Nacional de Proteção Civil pagou, depois de uma consulta ao mercado, perto de 11 mil euros à empresa Brain One, que já foi contratada por entidades públicas outras quatro vezes – duas vezes pelo município de Arouca (ambas em 2017) e outras duas pela Associação Geoparque Arouca (em 2018 e 2019).

Ministro toma medidas após criticar notícias alarmistas Eduardo Cabrita decidiu no domingo pedir à Inspeção-Geral da Administração Interna que seja aberto um inquérito urgente para se apurar se houve alegadas irregularidades na compra do material.

No domingo, depois de o JN ter noticiado pela primeira vez que havia sido o gabinete do secretário de Estado da Proteção Civil a coordenar todo o processo da compra dos kits – ou seja, que tinha sido a secretaria de Estado a fazer a adjudicação –, José Artur Neves descartou qualquer responsabilidade.

“Os contratos aplicados e as condições de seleção dos concorrentes são da responsabilidade da Autoridade Nacional de Proteção Civil e esse trabalho foi desenvolvido – e seguramente que do inquérito que foi mandado instruir por parte do senhor ministro resultarão as conclusões”, disse o secretário de Estado, reforçando que “todo o processo de seleção dos concorrentes, de definição de critério de seleção desses concorrentes e o modelo de concurso é, naturalmente, da responsabilidade da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil”.

Numa breve consulta ao portal Base.Gov percebe-se que desde o ano passado foram adjudicados pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), pela Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, IP e por municípios como Vale de Cambra, Loulé, Coimbra e Portimão serviços relacionados com este projeto que, no total, ascendem a 1383 mil euros (valor sem IVA). Excluindo os contratos assinados com a Foxtrot, o montante fixa-se nos 1,1 milhões.

Entre os contratos celebrados no âmbito do projeto Aldeia Segura, Pessoas Seguras encontra-se um, celebrado pela Proteção Civil para a compra de brindes como bonés, esferográficas e lápis, com a empresa MBA – Marketing e Brindes. Tratou-se de um ajuste direto de 23 385 euros – 28 763,5 com IVA.

Foi ainda encomendado um estudo de opinião para perceber qual “a eficácia das campanhas de sensibilização da população denominadas ‘Aldeia Segura/Pessoa Segura’ e ‘Floresta Segura’”. A entidade adjudicante foi a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, IP – criada pelo atual Governo e que tem como principal função “garantir a análise integrada do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais para assegurar a sua solidez e eficácia”. O contrato foi celebrado com a GfK por 52 mil euros.

Um dos últimos contratos – e o mais caro – foi celebrado com a empresa Nova Expressão. Através de concurso público, a Proteção Civil adjudicou à sociedade o planeamento de meios e publicidade para a campanha de televisão, rádio e conteúdos web por 519 867 euros.