Já depois de ter escrito o texto aqui publicado na semana anterior, vim a constatar que o tema da corrupção ganhou, entretanto, foros de tema eleitoral.
Embora isso não me preocupe demasiado – na verdade, nem todos podemos mover-nos em função dos ciclos políticos eleitorais -, considerei mesmo assim oportuno clarificar algumas ideias que, nesse texto, apenas estavam implícitas e outras que, precisamente, parecem contender com algumas propostas agora divulgadas.
O que antes procurei dizer não se prendia de facto, no essencial, com quaisquer propostas atuais sobre o aperfeiçoamento do sistema legal e a forma de lidar com o apuramento de responsabilidades criminais pela corrupção, mas dirigia-se à necessidade de abordar tal fenómeno não apenas por via dos instrumentos punitivos.
No fundo, a questão da corrupção e a maneira de com ela lidar assemelham-se muito ao problema dos incêndios.
Discute-se sempre a quantidade e a qualidade dos meios para o ataque aos fogos e muito pouco os cuidados a ter com os terrenos onde eles nascem e medram.
Ora, a verdade é que, por mais meios que se atribuam aos que devem combater e controlar os incêndios, o segredo para os evitar está – é sabido – na cuidadosa gestão das florestas.
O mesmo se passa com a corrupção.
Se mais e melhores meios de investigação e responsabilização são sempre úteis, não havendo uma política de fundo bem estruturada para o controlo cautelar do ambiente em que a corrupção se desenvolve, nada a poderá seriamente evitar e ainda menos impedir que se propague.
O que a intervenção das autoridades judiciais poderá fazer é apenas – e não é pouco – ir apagando alguns dos fogos mais visíveis e exorbitantes.
É por isso que uma política realmente preocupada com a corrupção terá de analisar antes as condições do terreno onde ela lavra e procurar evitar que este permaneça ou se torne um ambiente propício a tal flagelo económico e social.
Ora, neste plano, não parece difícil compreender que insistir em separar as áreas de intervenção do Estado e dos serviços públicos da área de interesse do setor privado será, porventura, a melhor profilaxia contra a corrupção e os males que ela gera.
Basta dar uma rápida vista de olhos aos grandes processos que ou terminaram já, ou correm termos, para percebermos exatamente o que sucede quando se mistura o interesse público sustentado pelo Estado e seus serviços com os operadores privados e os interesses particulares que estes perseguem.
Para que tal política preventiva possa afirmar-se com sucesso é, porém, necessário retornar, desde logo, à valorização das carreiras públicas, dotando a administração pública e as suas chefias de quadros competentes, tecnicamente atualizados e justamente pagos.
Só bons quadros públicos – estáveis, autónomos, responsáveis e responsabilizáveis – podem, com o seu parecer obrigatório e informado, barrar a corrupção a que alguns decisores circunstanciais são tentados.
No fundo, importa reprofissionalizar a administração pública de molde a que esta possa ter o conhecimento necessário e, assim, assumir a responsabilidade pela análise dos dossiês que lhe estão cometidos, tanto do ponto de vista técnico como económico e jurídico.
Só deste modo é possível fortalecer também os mecanismos oficiais de controlo prévio e sucessivo, evitando-se que muitos negócios – melhor, negociatas – possam progredir selvaticamente abrigados nas missões do Estado, prejudicando o erário público e os direitos dos cidadãos a serviços de qualidade.
Saber o que plantar e limpar cuidadosamente as bermas onde prosperam as negociatas será sempre mais eficaz para conter a corrupção do que uma mão-cheia de condenações ou a recuperação de alguns fundos ilegalmente apropriados.
Escreve à terça-feira