Benfica-Milan. A revolta impossível das águias e a frieza do assassino uruguaio

Benfica-Milan. A revolta impossível das águias e a frieza do assassino uruguaio


Primeiro grande confronto entre Benfica e Milan (que já disputaram duas finais dos Campeões um contra o outro) foi em Milão, para a Taça Latina, em 1956. Os italianos venceram por 4-2 na meia-final e conquistaram a competição pela segunda vez.


Benfica e Milan voltaram a encontrar-se, agora nos Estados Unidos, para esta taça pomposamente chamada International Champions Cup que aglomera muitos dos grandes clubes do planeta, mas num sistema de competição no mínimo bizantino. Enfim, para dois clubes que já se defrontaram em duas finais da Taça dos Campeões Europeus, a coisa não passou de um amigável entre velhos conhecidos. Mas vem a propósito recordar aqui o primeiro grande confronto entre lisboetas e milaneses, na antiga Taça Latina, que dividia, a meias com a Copa Mitropa, a responsabilidade da Taça dos Campeões na fase do pós-guerra e antes de o L’Équipe ter lançado a ideia das modernas taças europeias, também elas já tão distantes dos seus figurinos iniciais.

A Taça Latina punha em confronto o campeão de Itália, de Espanha, de França e de Portugal, e em 1956 foi marcada precisamente para Milão com a presença de Milan, Athletic Bilbao, Benfica e Nice. Tanto Benfica (1950) como Milan (1951) já tinham conquistado o troféu. Mas, claro, a jogar em casa, a equipa de Buffon e Maldini, de Dal Monte e Liedholm, Bagnoli, Schiaffino e Frignani tinha natural favoritismo. Ainda por cima, o sorteio colocou-a frente ao Benfica, deixando a outra meia-final a cargo de Athletic e Nice.

Pormenores Preocuparam-se os dirigentes do Benfica com todos os pormenores em redor de uma partida à qual atribuíram enorme importância. O nome do Benfica já era famoso na Europa e no mundo e havia uma vontade enorme de repetir a final de 1950. Só que nem sempre a sorte acompanha a vontade. Costa Pereira não pôde seguir viagem para Itália, com um problema físico num ombro, tal como Palmeiro, o avançado da equipa em melhor forma e mais concretizador.

As duas baixas de tamanho peso fizeram-se sentir claramente. Otto Glória esperava que o meio-campo, com a dupla Salvador e Caiado, estancasse os golpes previsíveis de Radice e Bagnoli. O sueco Nils Liedholm procurava desenhar movimentos ofensivos, mas o ritmo do jogo era lento e as equipas encaixaram-se bem uma na outra. Assim sendo, o equilíbrio tornou-se nota dominante e o espetáculo ficou claramente para segundo plano, o que desagradou aos espetadores presentes no Estádio das Arenas.

Aos 20 minutos, Mariani aproveitou um deslize de Cavém e abriu o marcador. Se as debilidades encarnadas no aspeto ofensivo (cada vez se notando mais a falta de Palmeiro) eram evidentes, com a desvantagem, mais evidentes se tornaram. Como dar resposta se a equipa não esticava o suficiente para incomodar Buffon? Vinte minutos mais tarde, Dal Monte chutou de longe, a bola foi à barra da baliza de Bastos e, na recarga, o uruguaio Schiaffino fez 2-0. O sonho português morrera antes do intervalo.

Pode ter morrido, mas não fez com que os encarnados se tornassem nem desistentes nem displicentes. Pelo contrário, vieram das cabinas com uma garra extraordinária e lançaram-se sobre os milaneses como gato se lança sobre um naco de bofe. Isidro, Coluna e Águas davam água pela barba a Maldini, Pedroni e Zagatta.

Sabe-se como, desde sempre, os italianos tiraram proveito do ímpeto contrário para usar essa força contra o seu próprio adversário, à moda dos mestres orientais de judo. O Benfica atacava e o Milan, manhoso, esperava a sua oportunidade. Durante meia hora, com Caiado cada vez mais próximo dos seus avançados, dava a sensação de que os rubro-negros estavam à beira de um golpe muito duro que poderia transformar por completo a partida. Por duas vezes, Cavém teve a possibilidade de reduzir. Finalmente, à terceira, a bola saiu colocada, indefensável… mas à barra de Buffon. Atento, Coluna foi lesto. Fez o 1-2 e deixou muita gente nas bancadas a roer as unhas de preocupação. Sabendo que o Athletic Bilbao já reservara lugar na final, eliminando o Nice, desesperavam com a possibilidade de uma final ibérica.

O golpe foi sentido. Um novo equilíbrio gerou-se dentro das quatro linhas. Quem o desfaria, mesmo sabendo que a vantagem continuava a ser do campeão italiano?

Cinco minutos depois do enervante golo de Coluna, Radice beneficia de um livre direto. A bola sobrevoa dois defesas encarnados e volta a chegar aos pés do assassino uruguaio, Schiaffino. Um brado percorreu a Arena. Agora sim, a vitória não poderia fugir aos milaneses, de forma alguma. Só uma dúzia de portugueses acreditaram no contrário: Otto Glória e os seus jogadores.

Revoltados, os portugueses entraram em corridas desenfreadas pelo meio-campo contrário. Voavam como flechas em direção à área de Buffon, desesperavam-se em lances elétricos e entusiasmantes. A fúria tomou conta de Caiado que, à distância de uns bons 35 metros, disparou de forma a fazer com que a bola batesse nos dois postes antes de escorregar para dentro da baliza.

Dois a três à beira do fim. O Benfica atacava, atacava, atacava, o Milan defendia. E nunca perdia a possibilidade de, aqui e ali, envenenar o jogo com respostas subtis, mas sempre bem urdidas. Numa delas, Bagnoli marca o 4-2 final. Não resta mais aos portugueses do que defenderem a sua honra amachucada garantindo o terceiro lugar, batendo o Nice por 2-1.

Na final, o Milan não desperdiçou a oportunidade de conquistar a sua segunda Taça Latina. Impôs-se ao Athletic de Bilbao por 3-1. Ainda ninguém o adivinhava, mas a edição seguinte seria a última, com o Real Madrid a ganhar por 1-0 ao Benfica em Chamartín. A Taça dos Campeões Europeus dera uma machadada definitiva numa competição que teve sempre um charme especial ao longo dos seus oito anos de existência.