O primeiro-ministro acusou esta segunda-feira a Ordem dos Médicos de limitar o acesso à formação médica e a resposta não tardou: para o bastonário, Miguel Guimarães, as declarações do primeiro-ministro são “incompreensíveis” e “falsas notícias” que não ajudam a resolver a falta de profissionais no Serviço Nacional de Saúde. “O país não tem falta de médicos, o SNS é que não consegue encontrar condições para os fixar”, disse ao i o bastonário.
A afirmação, que resultou num novo momento de fricção entre Executivo e ordens profissionais da saúde, foi feita à margem de uma inauguração em Sintra. Basílio Horta, presidente da Câmara Municipal de Sintra, criticou obstáculos por parte da ordem à abertura de uma faculdade de Medicina pela Universidade Católica, um projeto para o primeiro curso privado de Medicina no país. António Costa concordou com a análise, criticando que as ordens utilizem as suas “competências para práticas restritivas da concorrência e limitar o acesso à formação”, o que impede a resposta a carências.
Num comunicado enviado às redações, a ordem rebateu as declarações feitas pelo primeiro-ministro, salientando que a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior é a entidade responsável pela avaliação e acreditação das instituições de ensino superior e dos seus ciclos de estudos e que, em relação aos numerus clausus dos cursos de Medicina, a definição é da competência da Direção-Geral do Ensino Superior, na dependência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e não da Ordem dos Médicos. “Nunca nos foi pedido qualquer parecer sobre numerus clausus”, disse ao i Miguel Guimarães, reconhecendo, ainda assim, que a posição da ordem é que, neste momento, o país forma o número suficiente de médicos. “Os dados europeus colocam-nos no terceiro lugar da UE em termos de rácio de médicos por 1000 habitantes da União Europeia”, disse Miguel Guimarães, indicando que, em contrapartida, faltam 5 mil médicos no SNS, o que se reflete em seis milhões de horas extra em 2018 e uma despesa de 100 milhões de euros com médicos pagos à hora para preencher escalas, os chamados tarefeiros. Para Miguel Guimarães, o reforço da capacidade da contratação de profissionais para o SNS, inclusive pela hipótese de dedicação exclusiva, deve ser prioritário. “Se não temos profissionais para assegurar as escalas normais sem o recurso a horas extra, como é possível pensar-se em consultas ao sábado? Os médicos não podem ser os escravos do país”, diz, referindo-se a uma das propostas do programa eleitoral do PS, conhecido no fim de semana.
Em relação ao curso da Católica, Guimarães confirma um “parecer desfavorável” da Ordem “por razões técnicas”, salientando, porém, que se tratou de um parecer não vinculativo.
Atualmente, os cursos de Medicina admitem cerca de 1600 candidatos todos os anos. Miguel Guimarães recorda um estudo feito em 2013 que apontou para necessidades entre 1200 e 1400. Uma das preocupações que a ordem tem manifestado ao longo dos últimos anos é o acesso à formação na especialidade: para os médicos que terminam este ano a licenciatura estão apuradas 1800 vagas para o internato, no que poderá vir a ser um mapa de vagas para especialidade recorde, mas Miguel Guimarães sublinha que, para uma formação de qualidade, o número de vagas tem limites, alertando ainda para a procura por parte de médicos que se formam noutros países europeus, o que tende a dificultar o acesso por parte de todos os médicos que se formam no país.
Já o primeiro-ministro considerou ontem que aumentar o número de pessoas em formação é “absolutamente vital” para se poder ter os recursos humanos necessários. “É muito fácil andar de hospital em hospital a identificar a falta de um anestesista ou de um ortopedista”, disse António Costa, isto depois de a Ordem dos Médicos ter feito, nas últimas semanas, um périplo por diferentes hospitais. “Qualquer dia, as ordens não podem existir, porque incomodam”, diz Miguel Guimarães, adiantando que, na sequência das visitas a seis hospitais do SNS, serão apresentados relatórios e propostas à tutela nas próximas semanas.