A revoada cíclica de contestação às touradas é uma expressão bárbara de intolerância com quem pensa diferente, tem gostos diferentes e está sintonizado com um pulsar do Mundo Rural, que em muitos locais é decisivo para o desenvolvimento local.
Não vejo nenhuma dessas almas preocuparem-se com a excessiva valorização da atenção e da ação política em relação a questões marginais em detrimento dos temas essenciais de qualquer comunidade evoluída. Não, o que conta são os egos, os amigos e os nichos eleitorais.
Modernidade, dizem eles, quando persistem em permitir que o Estado vacile no cumprimento sustentado de todas as suas obrigações de serviço público.
Civilização, dizem eles quando permitem que à socapa o Município da Póvoa do Varzim desmonte uma praça de toiros para impedir uma expressão de diversidade ou quando o Município de Lisboa, pela calada, retira a sinalética presente na cidade sobre a Praça do Campo Pequeno.
Evolução, proclamam eles, quando entremeiam a consagração de direitos marginais de salvaguarda de gostos e de opções pessoais com uma deriva proibicionista que se afirma como expressão de intolerância perante alguns. São nichos a decidir em causa própria e contra outros nichos. É uma espécie de fascismo dos gostos e das opções, a pretexto da modernidade e de padrões de civilização que os próprios definem.
O drama, para a coesão das comunidades como expressão de tolerância e de diversidade, é quando estes Torquemadas dos tempos modernos capturam as grandes instituições. Enquanto brincam no recreio da liberdade de expressão, em que todos temos direito à diversidade de opiniões dentro de padrões de respeito mínimo pelas esferas de liberdade dos outros, não é grave. Embora, amiúde as manifestações dos contestatários à porta dos espetáculos tauromáquicos ultrapassem as linhas da agressão verbal e da efetiva perturbação ao exercício dos direitos, pela gritaria insultuosa que perturba o normal decurso da lide ou da faena. Mas, o que verdadeiramente preocupa, além das normais expressões de gosto negativo em relação à tauromaquia, é a deriva de captura do Partido Socialista por estes agrupamentos de intolerantes. A tolerância é só para as suas orientações e para os seus gostos, os únicos aceitáveis de acordo com padrões nascidos nos corredores de realidades divorciadas do país, da ruralidade e de existências que para eles são meras suposições teóricas.
Não pretendemos que os nossos gostos se imponham aos outros, mas não aceitamos que nos imponham padrões de gosto, de pensamento ou de ação que não correspondem a nenhum patamar essencial da organização da comunidade ou do patamar civilizacional vigente nas sociedades ocidentais.
Permitir que um partido fundador da Democracia como foi o Partido Socialista, por razões de gosto pessoal de alguns dirigentes ou de um certo oportunismo eleitoral engajado com a sobrevivência política, se deixe capturar ou enlear num caminho de contestação às touradas é ir contra o acervo de princípios que está na base da sua criação e no seu histórico de participação da construção da sociedade portuguesa. Permitir uma tal contaminação do Partido por essa expressão de intolerância, é estar a atentar contra a sua Declaração de Princípios e a incentivar a um quadro de intolerância, lesivo da coesão social e territorial.
E tudo isto volta a acontecer quando aumenta o número de portugueses que vão às praças de toiros e às expressões populares e de rua de fenómenos taurinos relacionados com as tradições de aldeias, vilas e cidades ligadas ao Mundo Rural. O mesmo mundo que proporciona a outros tantos a expressão de uma diversidade na gastronomia (vegan), no estilo de vida e na relação com a natureza. Tudo possível graças ao contributo diário de milhares de bárbaros com as mãos e os pés na terra, enquanto os civilizados se pavoneiam nas alcatifas, nas calçadas ou num qualquer estabelecimento noturno dedicado.
As touradas são uma expressão da nossa ruralidade, assente em animais que são criados para o efeito, em cavalos que são treinados para o efeito e num universo de intervenientes que contribuem para que boa parte do território não esteja votado ao abandono perante a indiferença de décadas de quem exerce o poder e de quem vive nos grandes centros urbanos.
Há portugueses que gostam de touradas como há portugueses que rejeitam essa expressão comunitária ou que colocam os seres humanos e os animais nos mesmos patamares de ponderação só porque são ambos seres vivos. Não é, nem nunca será esse o nosso caso.
O fundamentalismo intolerante consagrado em letra de lei ou à socapa, como parece ter acontecido em Lisboa, pelo rapto dos sinais taurinos, é incompatível com a Liberdade e com outros valores democráticos. Nenhum democrata ou partido democrático pode aceitar a intolerância como base da organização social. Pegar o toiro pelos cornos, neste caso, é admitir que persistir nesta deriva de intolerância acabará em extremismos e em ruturas perigosas para a coesão.
NOTAS FINAIS
LIDE A PÉ. O alerta do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, Almirante Silva Ribeiro, sobre a insustentabilidade dos efetivos deveria ser levado a sério e sem desvalorizações.
LIDE A CAVALO. A devolução de uma estrela Michelin pelo Chefe Henrique Leis é prenúncio de uma crescente consciência individual e comunitária: o estrelato já não é tudo.
PEGA. É preciso pensar o tempo. Fará sentido um pilar da sociedade como a justiça ter um período de férias estabilizado no calendário, suspendendo o normal curso de processos judiciais já atrasados?
Escreve à segunda-feira