Hong Kong tem 1100 km2 de superfície (metade da área do distrito de Viana do Castelo) e 7 milhões e meio de habitantes (a população estimada para Portugal em 2100). A República Popular da China tem 9,5 milhões de km2 e 1400 milhões de habitantes. A luta a que temos vindo a assistir nos últimos meses é, do ponto de vista da dimensão de cada adversário, espantosamente desequilibrada. Mas o terreno em que decorre promove alguma igualdade de armas. A mediatização do conflito não permite a Pequim resolver manu militari o irritante. Há demasiadas testemunhas incómodas, desde logo a comunicação social do Ocidente e os milhões de telemóveis e de gadgets electrónicos capazes de transformar cada manifestante num repórter em directo. Tiananmen não é passível de repetição, nem na China continental e muito menos em Hong Kong.
A defesa da tese “um país, dois sistemas” serve para combinar capitalismo selvagem e ditadura de partido único, numa fórmula vencedora no plano do crescimento económico, responsável pela rapidíssima ascensão social de centenas de milhões de chineses. Este sucesso é explorado para promover o nacionalismo em torno do PCC e da respectiva liderança. O sucesso do indivíduo, do país e do PCC confundem-se. Não há na China continental uma contestação social com expressão ao nacionalismo económico dirigista. As bolsas de resistência são étnico-religiosas (Tibete, Xinjiang, Falun Gong, minoria católica,…) ou ideológico-intelectuais (artistas, filósofos, jornalistas, advogados defensores dos direitos do homem,…). As primeiras têm expressão numérica e preocupam (ou preocuparam) supinamente o Governo central. As segundas são pouco significativas e os respectivos protagonistas foram objecto de repressão tão forte quanto eficaz.
A fé liberal no capitalismo como gerador de pluralismo político, com um número crescente de chineses que reivindicariam uma democracia competitiva de matriz ocidental, não teve qualquer adesão à realidade.
O nacionalismo chinês olha para as manifestações em Hong Kong com profunda desconfiança. Os habitantes do território são vistos como um produto do colonialismo britânico, uma das potências ocidentais que subjugaram e humilharam o Império do Meio. Não seria necessário reforçar esta ideia, mas a cobertura mediática do conflito que é apresentada na China continental é completamente distorcida. Vale o exemplo anedótico da explicação apresentada no início das recentes manifestações: seriam contra Trump e os americanos…
Pequim quer mostrar-se tolerante para com HK, cumprindo nominalmente o acordo celebrado com o Reino Unido, que assegura 50 anos de autonomia ao território, e acenando à integração de Taiwan.
Os manifestantes aprenderam com anteriores protestos. Actualmente, do lado pró-democrático não há líderes assumidos, para evitar uma repressão que decapite o movimento. Do lado pró-chinês há manifestações organizadas pelo PCC reclamando a integração na China. A necessidade de construir uma narrativa mediática adequada aos respectivos públicos é sentida pelas duas partes em conflito.
As provocações de parte a parte são frequentes, num jogo que visa desequilibrar o adversário, levá-lo a um movimento irreflectido e desproporcional. E o Governo do território tem ganho algumas destas batalhas, desde logo a vandalização do Parlamento de HK, que alienou muitos moderados no território e reforçou os nacionalistas na China continental.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990