Duro como o aço: o 26.º elemento


O ferro tem um conjunto de caraterísticas que são extraordinárias e que parecem confluir na explicação da razão pela qual é o elemento dominante nas tecnologias desenvolvidas pelo homem nos últimos 3 mil anos


Há cerca de 3 mil anos, a humanidade entrou numa nova era que há quem diga perdura até aos nossos dias: a Idade do Ferro. O ferro, o 26.o elemento da tabela periódica, é o principal constituinte das ligas metálicas que genericamente designamos por “aços” e que continuam a ser, no presente, o material de engenharia mais utilizado no mundo (na verdade, é a segunda substância mais utilizada pelo homem em termos de peso, logo a seguir à água). A produção anual de aço no mundo inteiro é superior a mil milhões de toneladas por ano, sendo a China o maior produtor mundial. Como tal, não é de espantar que as exportações de aço sejam um dos elementos centrais no atual desentendimento comercial entre EUA, Europa e China.

A razão da utilização de tão grandes quantidades deste material prende-se com o facto de o aço ser o principal constituinte da grande maioria dos componentes de equipamentos mecânicos, meios de transporte rodoviário e ferroviário, armamento e também estruturas de construção civil, como elemento de reforço ou como elemento estrutural. Na verdade, o termo “aço” designa um enorme conjunto de ligas, extremamente diversificado em termos de composição química, microestrutura, propriedades e, naturalmente, aplicabilidade. Em comum, todos os diferentes materiais que designamos por “aço” têm o facto de o seu principal constituinte ser o ferro, ou seja, os aços são ligas metálicas à base de ferro.

Mas qual é o segredo das ligas à base de ferro? Porque são os aços tão utilizados em aplicações tão diversas?

O ferro tem um conjunto de caraterísticas que são extraordinárias e que parecem confluir na explicação da razão pela qual é o elemento dominante nas tecnologias desenvolvidas pelo homem nos últimos 3 mil anos.

A primeira delas será seguramente o facto de o ferro ser um metal extraordinariamente abundante na crosta terrestre e, por isso, as suas ligas serem relativamente baratas quando comparadas com outras ligas metálicas à base de elementos menos abundantes (titânio, cobalto, níquel, etc.). No entanto, o ferro ocorre na natureza ligado ao oxigénio, ou seja, na forma de óxidos de ferro. Esses óxidos de ferro (o mais comum designa-se por hematite) têm o aspeto de areias avermelhadas ou amareladas que muitas vezes observamos em afloramentos rochosos, em taludes ou cortes junto à orla costeira. Em termos de propriedades, estes óxidos de ferro pouco ou nada têm em comum com o ferro metálico e menos ainda com o aço. Para termos aço é preciso retirar o oxigénio do ferro, aquilo a que se chama reduzir o óxido a ferro metálico. Não se sabe como foi conseguida pela primeira vez a redução do óxido de ferro, há cerca de 10 mil anos atrás. Sabe-se apenas que o carbono tem uma afinidade maior com o oxigénio do que o ferro. Desse modo, especula-se que o ferro metálico foi obtido pela primeira vez ao fazer fogueiras sobre areias ricas em óxidos de ferro, utilizando madeira ou carvão como combustível: o carbono (proveniente da madeira ou do carvão) teria retirado o oxigénio ao ferro e, sob as cinzas da fogueira, terá ficado um material dúctil, com brilho metálico acinzentado, que teria atraído os nossos antepassados. Esse material era o ferro metálico. Contudo, ao aquecer o óxido de ferro na fogueira, não só o óxido teria sido reduzido como também algum carbono terá migrado para dentro do ferro. E é esta junção entre carbono e ferro que dá origem ao aço.

O ferro é um metal, sólido à temperatura ambiente. Quer isto dizer que num pedaço de ferro, os átomos estão ligados entre si por uma ligação química forte que se designa por ligação metálica. A ligação metálica mantém os átomos de ferro dispostos de uma forma organizada no espaço. Esta organização espacial dos átomos de ferro designa-se por estrutura cristalina. O ferro funde a 1539ºC. No entanto, desde a temperatura ambiente até 1539 oC, outras transformações ocorrem antes da fusão. A 912ºC, os átomos de ferro alteram a sua estrutura cristalina.

Esta alteração da estrutura do ferro tem um efeito dramático sobre as propriedades dos aços. Assim, se aquecermos aço acima de 912 oC e o arrefecermos rapidamente, este fica duro e frágil (é como se fosse vidro). Esse tratamento é a chamada têmpera e é, por exemplo, o tratamento dado àquelas facas que temos na cozinha e que usamos para cortar coisas mais duras, e é essa a razão porque não as conseguimos dobrar de forma permanente sem as partir. Era também o tratamento dado às espadas usadas pelos exércitos, desde o Império Romano. Agora, se aquecermos até à mesma temperatura e arrefecermos lentamente o mesmo aço, este fica macio e maleável (chama-se recozimento a este último tratamento). Essa é a razão pela qual podemos dobrar um garfo ou uma colher de chá sem que esta frature, ao contrário daquilo que acontece com a lâmina da faca que corta bem. Com pequenas variações do teor de carbono ou de outros elementos de liga (níquel, manganés, tungsténio, molibdénio, entre muitos outros), as propriedades do aço variam drasticamente (dureza, capacidade de absorção de energia, resistência à rutura). Juntando 12% de crómio ao ferro, este torna-se resistente à corrosão e temos os chamados aços inoxidáveis. Finalmente, é importante dizer que as ligas ferrosas são totalmente recicláveis.

As ligas à base do 26.o elemento da tabela periódica, o ferro, são efetivamente materiais prodigiosos. Contudo, o ferro e o aço têm associado a si um certo estigma. São materiais “antigos”, não são avançados, “ganham ferrugem”. No entanto, estas ligas, não só do ponto de vista tecnológico e científico (o enorme espetro de propriedades únicas que apresentam são consequência da sua estrutura à nanoescala, ainda não totalmente compreendida) como também do ponto de vista económico, continuarão a dominar a humanidade durante muito tempo mais. Pelo menos durante o tempo em que precisarmos de grandes estruturas de engenharia e de meios de transporte rápidos e fiáveis.

Professor do Departamento de Engenharia Mecânica do IST