A Lisboa que a câmara não trata


Tenho assistido a situações que considero de negligência subdesenvolvida por parte da Câmara Municipal de Lisboa e que demonstram precisamente a reserva que tenho quanto à noção estratégica do que se quer para Lisboa.


Por influência de tantas e boas notícias relacionadas com a atratividade da cidade de Lisboa, corremos o risco de confundir a crescente notoriedade positiva com uma adequada, moderna e contemporânea gestão da cidade e da respetiva área metropolitana. Lisboa é indiscutivelmente uma das cidades mais bonitas do mundo. Carregada de coisas boas, preenchida com muita história, um clima encantador, uma luminosidade incrível e uma rara ligação ao rio e ao mar tornam a capital mais ocidental da Europa um local do qual não é possível não gostar muito. Como já ouvi e repeti várias vezes: não é Lisboa, é “Lisótima”!

O mesmo não é possível afirmar quanto ao modo como Lisboa é gerida. Aí, facilmente se identifica uma obsessão pelo aumento na cobrança de impostos, taxas e multas. Não vejo nada contra. A síndroma da receita é compreensível e desejável. Sem receitas não é possível levar a cabo as transformações tão necessárias ao aumento da modernidade cívica, social e ambientalmente sustentável da cidade. Mais duvidosa, porém, é a forma como a gestão de prioridades e a consequente aplicação de fundos são levadas a cabo. Tenho assistido a situações que considero de negligência subdesenvolvida por parte da Câmara Municipal de Lisboa e que demonstram precisamente a reserva que tenho quanto à noção estratégica do que se quer para Lisboa. Entre o discurso de cidade limpa e verde e aquilo que facilmente se observa há uma incoerência evidente. Basta frequentar um concerto ou uma festa popular para percebermos bem a ausência de meios que garantam, no que à higiene e segurança pública respeita, condições mínimas adequadas. É subdesenvolvimento puro o nojo que tenho visto nas poucas vezes que frequentei a Lisboa festiva nos últimos meses. Falha muito grave na política de higiene e segurança urbana. Mas há muito mais onde a CML falha no seu contributo para uma cidade mais limpa, segura e socialmente equilibrada. Basta olhar para os escapes da maioria dos autocarros da Carris para percebermos o quão longe estão de contribuir para uma cidade ambientalmente equilibrada; basta observarmos nas ruas da Baixa lisboeta o vasto número de traficantes a oferecerem droga aos turistas; basta contarmos o número de arrumadores de automóveis que proliferam pela cidade; basta entrarmos no Hospital de São José; basta observarmos a imensidão de imóveis degradados e por regenerar; basta observarmos o trânsito caótico a que a grande maioria dos automobilistas que vivem e trabalham em Lisboa são diariamente submetidos para entendermos que a cidade não tem sido devidamente planeada e que, por maioria de razão, o conceito de Área Metropolitana de Lisboa, a que por inerência o presidente da Câmara de Lisboa preside, não desempenha a importante missão de contribuir para a qualidade de vida das centenas de milhares de pessoas que diariamente entram e saem desta maravilhosa cidade.

Há soluções para estes problemas todos. É só necessário mais e melhor trabalho por parte de quem lidera. Mais sabedoria, melhor visão estratégica, maior capacidade de inovar, mais empenho, melhor gestão das cerca de 10 mil pessoas que lá trabalham, mais rigorosa gestão dos recursos financeiros, que rondam os 1300 milhões de euros por ano, orientando desse modo o esforço dos recursos públicos para o bem-estar dos cidadãos, ao invés de comissões que alimentam os interesses do aparelho e respetivas famílias. A longa liderança socialista da CML não trouxe um bom tributo à gestão de tão significativos recursos e de tão magnífica cidade. Quem fica a perder são Portugal e os portugueses… Uma vez mais.

Gestor e professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL

Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”