Há ainda os debates da bolsa, das Comissões de Inquérito, das filas na rua para os cartões de cidadão ou dos novos Simplex sem esquecer Ursula von der Leyen. Em último caso de importância, temos as pré-temporadas desportivas com as caras novas que chegam a Portugal. O dia-a-dia passa e ultrapassa todos com muita violência de informação.
No meio de matérias de maior ou menor abrangência dos portugueses, há os Prédios Coutinho da vida, há os estudantes que dentro de semanas irão debater-se com as dificuldades nacionais de arrendar casa para prosseguir os seus estudos e há ainda os jovens portugueses que querem construir a sua família sem conseguir ver casa.
Há a ausência de linha estratégica para a Habitação. O parente pobre do Estado Social em Portugal.
Há meio século atrás, afirmávamos nas ruas que a liberdade a sério só chegaria quando aparecesse a paz, o pão, a habitação, a saúde e a educação. A paz chegou, é inquestionável. O pão entrou em mais casas. A educação e a saúde – para todos – cresceram com a democracia, com inegáveis sucessos alcançados, assim como preocupações igualmente inquestionáveis aos dias de hoje.
A habitação foi, e é, o parente pobre do Estado Social em Portugal.
Não foi sempre assim. Houve momentos em que a história colocou no título dos seus capítulos este parente. Houve momentos em que os portugueses olharam para o princípio de “Casa” com olhos de ver. Houve momentos em que o Estado se afincou em responder às perguntas de todos.
Após a(s) conquista(s) de Abril, a história diz-nos sobre a Habitação que congelaram rendas e ainda vivemos com a bonificação do crédito para compra de casa. Estávamos nos princípios da década de 80, com um governo de Bloco Central, e assim continuou durante décadas. Portugal reduziu as taxas de juro e a concorrência desenfreada entre bancos na década de 90 fizeram o que faltava para a explosão do crédito à habitação.
Isto são factos. Os números e as histórias das famílias assim o demonstram.
Em meia dúzia de anos, e após a década de 90, Portugal alcançou o estatuto de ser um dos países da Europa onde uma maior parcela de famílias é proprietária da casa onde reside. E isto, tão “só” e simplesmente isto, transformou a estrutura social portuguesa, com implicações na esfera política e económica.
Estes incentivos por parte do nosso Estado português à compra de casa própria foram, talvez, o maior e mais determinante fator de endividamento das famílias do nosso país. Entre 1995 e 2008 fomos o país europeu onde mais aumentou a dívida das famílias em percentagem do PIB e mais de 75% destes casos foram por empréstimos à habitação.
Chegámos ao século XXI, de forma sumária, a tentar resolver o parente pobre do Estado Social com o endividamento das famílias portuguesas. Foi isto. E não, não era por incentivo ou consequência da Europa porque Portugal estava em níveis superiores de todo o Velho Continente.
E assim, de forma mais ou menos óbvia, o endividamento excessivo das famílias tornou-se um problema mais visível assim que a economia começou a abrandar, já neste século. A bola de neve daí adjacente descreve-se de forma fácil, dolorosa e rápida: Portugueses perderam o emprego, os seus rendimentos caíram por esse e outros motivos, os empréstimos deixaram de ser possíveis de pagar e muitos perderam as suas casas… continuando a ter de pagar a dívida aos bancos pelo que as décadas de 80 e 90 lhes haviam ensinado.
Chegamos a 2019, depois de um período de crise económica, de um programa “Troikista” aplicado e cumprido e com uma geringonça governativa eleita por maioria de assembleia.
Temos uma parte significativa do país com muito poder político e económico que está pouco interessada em que os preços das casas baixem. Fácil de ver: Os Bancos, os Fundos, Grandes Sociedades e o Estado.
Vejamos por ordem: Os bancos não querem perder uma das suas bases de sustentação de quatro décadas. Os fundos de investimento imobiliário, e barómetro de muita da estabilidade económica de cada país, que têm lucros em virtude do aumento do preço das casas que dispõem também não têm interesse em “mexer”. As grandes Sociedades, onde se encontram muitos escritórios de advogados, representam os interesses dos fundos estrangeiros em Portugal, sabemos e sabe quem é atento que têm na assessoria às operações imobiliárias uma parte importante do seu negócio. Finalmente, o Estado, através do Governo português, nunca quererá ficar com a paternidade qualquer crise e a sua gestão.
Já nesta década, após 2011, houve um objetivo do Governo à data em resolver problemáticas sedimentadas e devolver oportunidades a quem perdeu a esperança. Portugal aplicou medidas diferentes do que a história conhecia e, haja mérito na coragem de quem ousa fazer o que ainda não foi feito, o problema da habitação foi colocado como objetivo. Apostou-se na liberalização das rendas e dos despejos, olhando para uma simples premissa: Aumentar o retorno e reduzir o perigo subjacente ao risco para os proprietários – os senhorios – o que aumentou a oferta. Claro. Vejo que é uma solução à qual iremos voltar, pelo menos de forma teórica é o mais próximo de resolver o problema macro da habitação que tem e vive Portugal.
Fixem isto, a memória de cada um há de cá voltar.
No 2019 a que chegámos, com o Turismo a bater recordes em números e a capacidade financeira dos fundos imobiliários internacionais em liquidez a disparar…e é isto que aconteceu: o negócio da compra e venda de casas aumentou desenfreadamente, como sabemos e o INE o diz. Mas, digam-me, e quem precisa de casa? As famílias que precisam mesmo de um lar? Ficou mais difícil.
Essas famílias, esses portugueses são e foram economicamente escorraçados para longe do centro urbano e, essa consequência social, é o oposto daquilo que outrora prometemos todos fazer e o Estado assegurou cumprir. Falhámos enquanto país.
As soluções não têm de se recriar, inventar ou esperar por um D. Sebastião numa das nossas manhãs de nevoeiro. Elas já existem. Algumas estão a países de distância, outras estão em municípios portugueses mais circunscritos.
É fundamental que uma parte importante do mercado de habitação seja protegida das lógicas especulativas. Temos de ter coragem de o dizer, praticar e denunciar. Sem medos, temos de pôr nas mãos do sector público e igualmente no sector cooperativo boa parte da oferta de casas para quem cá vive todos os dias.
E a Habitação Jovem? De forma breve algumas soluções que defendo para vermos que é possível dar esperança nos 308 municípios portugueses sem arrancar a vontade de cada um viver e construir família na “sua terra”:
- Porque não olha o país para a criação de uma rede local de oferta jovem para proprietários?
- Porque não adquirir imóveis para rentabilizar, vendendo lotes (entidade pública ou privada? com a condição de se arrendar nos primeiros 5 anos a jovens até aos 35 anos?
- Porque não trabalhar uma discriminação fiscal positiva para jovens, até aos 35 anos, na aquisição de imóveis? Isentando o IMI nos primeiros anos ou através da isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), desde que adquira habitação própria e permanente.
Porque não?
No geral, sobre Habitação para todos, há hoje algumas respostas. Ainda bem!
Ouvimos, vimos e leu o país que a autarquia de Lisboa apresentou o Programa de Renda Acessível que vai ter em conta o rendimento líquido dos candidatos e dará benefícios a quem tem filhos. E muito bem!
Igualmente, o Governo, ao mesmo tempo e claramente desarticulado com o seu autarca lisboeta, embora assuma que ainda irá demorar, vai (bem) colocar no mercado imóveis com rendas acessíveis para a classe média. Aqui haveria a discussão do que entende o Senhor Ministro por “Classe Média”… ficará para outra semana.
A medida, a vontade, é positiva e responde sociologicamente ao que os diversos partidos dificultam ideologicamente em fazer: Dar respostas e esperança a uma grande parte da população que não é pobre, mas também não é rica.
Porém, Portugal é um dos países europeus onde a habitação pública é mais reduzida na oferta, é impossível desmentir.
Vamos demorar talvez outras décadas a corrigir o que falhámos, enfrentemos isso. Mas mais vale começar já, o caminho será longo para garantirmos o que desde os primórdios defendemos: Habitação a todos.