Copa América. Os canarinhos esvoaçaram em redor de um peito enfunado de Peru…

Copa América. Os canarinhos esvoaçaram em redor de um peito enfunado de Peru…


Quartos-de-final do Mundial do México. O Brasil-Peru mais famoso da história do futebol. A imprensa peruana entrou em transe apesar da derrota (2-4). E Pelé, simpático, desfez-se em elogios ao estilo ofensivo do adversário e tratou de nomear Cubillas como o seu sucessor.


Em 2002, em Tóquio, no aeroporto de Narita, enquanto esperávamos pelos aviões que nos devolvessem a casa ao fim de um mês e qualquer coisa de campeonato do Mundo, ouvi da boca de Luís Fernando Veríssimo, o cronista brasileiro, este lamento notável: “O pior de tudo é que, por mais Mundiais que o Brasil ganhe, nunca irá ganhar o de 1950…”

Com o Peru passa-se quase o mesmo.

Como Elis Regina, pode sonhar os sonhos mais lindos e de quimeras mil erguer castelos, mas a verdade é que nunca ganhará ao Brasil o jogo de 1970, talvez o mais importante de sempre da seleção peruana.

Quarenta e quatro anos, assim mesmo, por extenso, se passaram sobre a última final do Peru na Copa América. Domingo repetiu a sensação, perdendo para o Brasil (1-3). A derrota face aos brasileiros estar-lhes-á no sangue, entranhada? Houve uma vitória estranha. E hoje, de Cuzco a Chimbote e a Iquitos, todos recordam o nome de Verónica Salinas, a filha do presidente da federação peruana a quem coube, no torneio de 1975, meter a mão no saquinho das bolas que foi a maneira de se resolver a eliminatória entre brasileiros e peruanos. A menina tirou a bola que dizia Peru e ganhou fama nacional, tal como o Peru ganhou essa Copa América. Foi o mais perto que estiveram de uma vingança sobre a derrota de Guadalajara, México, 1970.

Se um inquérito fosse realizado (e até, se calhar, já foi), não restariam grandes dúvidas a quaisquer de que a seleção peruana que esteve presente no Mundial do México em 1970 foi a melhor do país de todos os tempos. O onze que se apresentou em campo nos quartos-de-final, com uma expetativa transbordante de eliminar o Brasil, era um luxo: Rubiños; Campos, Fernández, Chumpitaz e Fuentes; Challes, Mifflin, Baylon e León; Cubillas e Gallardo. No segundo tempo ainda entraram Reyes e Sotil, que seria o menino-bonito do Barcelona de Rinus Michels, uns anos mais tarde.

É verdade que tinham sofrido uma derrota frente à Alemanha Ocidental, na derradeira jornada do grupo (1-3), mas as duas vitórias iniciais (Bulgária, 3-2, e Marrocos, 3-0) tinham posto os peruanos a recato no apuramento.

Guadalajara Para Waldir Pereira, o Didi da folha seca, era um jogo inolvidável. Treinava o Peru contra a seleção com a qual fora campeão do Mundo em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile. Deixar Sotil no banco e não fazer entrar La Torre para a marcação a Gerson (partira-lhe uma perna num amigável um ano antes) valeu-lhe um chorrilho de críticas que o perseguiram até ao seu abandono do cargo.

Aos 11 minutos, Rivelino fez um golo de três dedos e as coisas pareciam ir de mal a pior quando Pelé e Tostão ensaiaram uma das suas famosas tabelinhas para o avançado do Cruzeiro fazer o 2-0, quatro minutos mais tarde. Gallardo reduziu para 1-2 ao rondar da meia hora e a imprensa peruana encheu o peito de orgulho: “Sin embargo, llegaría la reacción de Perú que comenzó a realizar un mejor juego de toques que la ‘Verdeamarela’ con Teófilo Cubillas a la cabeza, Pedro ‘Perico’ León y Roberto Challe, quienes presionaron muy bien a la defensa rival”.

O Peru melhor do que o Brasil? Os jornalistas peruanos queriam acreditar que sim. Tostão fez 3-1, Sotil voltou a criar indefinição no resultado, Jairzinho acertou o 4-2 final. O Peru estava fora do Mundial, mas saía de peito enfunado. Tão enfunado que uma frase de Pelé fez eco por todo o vale do Urubamba: “Al final del torneo fue Pelé quien elogió el juego del buen equipo peruano y sobre todo a Teófilo Cubillas. ‘No se preocupen, ya tengo sucesor y es Teófilo Cubillas’”.

Não foi, como sabemos. Mas a presença do Peru na fase final do campeonato do Mundo de 1970 ficou como o momento mais entusiasmante do futebol do país dos incas. E o jogo contra o Brasil não se apagará nunca da memória coletiva.