Pelas serras algarvias ainda vai havendo quem mantenha viva a tradição da empreita, embora com um cariz maioritariamente lúdico e não tanto para comércio. É precisamente o que se verifica com Manuel António Estêvão – ou Manuel da Ribeira, como é conhecido na Corte do Peso, sítio pertencente à freguesia de Santa Catarina, concelho de Tavira.
Aos 88 anos, o senhor Manuel ainda se dedica ocasionalmente a uma atividade que aprendeu em criança – ainda que muito pela rama. “Tinha oito, dez anos. Ensinaram-me a minha mãe e a minha avó, que também já tinham aprendido em criança”, conta ao i. Na altura, lembra, “havia muita gente a fazer”, e até a uma idade bem avançada. “A mãe da minha mulher fez até quase aos 90 anos”, recorda.
“Comecei a vê-las fazer. A empreitinha é fácil mas, depois, coser a tamissa… É mais complicado. A empreitinha aprendi logo em pequeno, mas comecei a trabalhar aí a partir dos 12 anos e deixei de fazer. Depois de estar reformado é que voltei a fazer novamente, a partir dos 65, 66 anos. Quando deixei de trabalhar disse à minha mulher: ‘Vou experimentar’. Deve haver uns 20 anos que faço”, salienta, ainda com alguns detalhes frescos na memória.
Como, por exemplo, o número de peças, especialmente alcofas, que já tem oferecido a familiares, vizinhos e amigos ao longo dos anos. “Mais de 200, de certeza. A última que fiz foi este inverno”, revela, explicando utilizar tachos, panelas e outros utensílios para fazer os moldes dos sacos, alcofas ou malas. “A minha mãe e a minha avó faziam a olho e as peças não ficavam assim tão jeitosas”, graceja.
Naqueles tempos, a fazenda onde vivia a família de Manuel Estêvão – e por onde passava uma ribeira, daí a alcunha que ficou para sempre – era bastante requisitada no que a esta arte diz respeito. “As pessoas da serra não sabiam fazer e vinham encomendar à minha mãe e à minha avó. Havia aquelas gorpelhas grandes para pôr em cima dos burros, para apanhar alfarrobas, figos secos… Serviam também para semear o trigo, o adubo: punha-se um braço para enfiar no ombro, a saca cheia de trigo e adubo e vá de semear aí pelas terras. Toda a gente encomendava a elas. Mas nem era a dinheiro, era a troco de milho, batatas, coisas assim. Só nas feiras é que se vendia a dinheiro, mas era uma bagatela”, lembra.
QUARTA classe e um curso de topógrafo O senhor Manuel nunca fez empreita para vender. “É mesmo só para a família ou para oferecer a amigos”, garante, mostrando alguns exemplares de malas e alcofas que fez a pedido expresso da filha Célia e das netas Sandra, Ana e Mara. A prole, é preciso dizê-lo, acabou por nunca seguir os seus passos. “Elas não sabem fazer, ninguém liga a isto. Se gostava que aprendessem? Sim, gostava”, assume, contando ainda uma história curiosa a envolver uma amiga inglesa (de entre os muitos turistas, britânicos e não só, que se radicaram na zona): “Um dia veio aqui para aprender a fazer. Esteve aqui duas ou três horas mas depois aborreceu-se… e nunca mais veio”.
Manuel Estêvão, já se disse, não teve na empreita a sua atividade profissional. “Trabalhei uns 45 anos como pedreiro. Era especialista em fazer lareiras”, assevera, lembrando os primeiros anos na vida profissional: “Quando comecei a trabalhar ganhávamos 15 escudos por dia. Fui pedreiro a partir dos 16, 17 anos (já depois de, ainda como servente, apanhar bolas no Estádio do Benfica). Andei em Lisboa, três ou quatro meses cada verão, como servente. Fui umas quatro vezes. O trabalho que mais medo me meteu foi a igreja de Caselas: puxar material lá na torre, não havia máquinas, era tudo à mão…”
Houve ainda lugar a uma passagem pela tropa, em Lagos, como primeiro cabo. “E ainda estive quatro meses no forte de Elvas a guardar presos. Foi bom, porque tirei lá na tropa um curso de topografia, para ler cartas topográficas dos terrenos, que me ajudou muito também para o meu ofício, para ler as plantas das casas”, assegura, lembrando que na escola só fez “a quarta classe”. Ao mesmo tempo, “aos fins de semana e às tardes”, não faltava igualmente trabalho na agricultura. “Tomateiras, batatas, tinha sempre serviço a montes. Hoje, as pernas já não ajudam, mas no verão passado ainda fazia”, sentencia.